OPERAÇÕES DA 38ª COMPANHIA DE COMANDOS
OPERAÇÃO FEITURA I
38ª COMPANHIA DE COMANDOS
Operação
Feitura I
(24 - 25Julho 1972)
Relato feito a partir das
memórias do Capitão Comando Pinto Ferreira
Aqui na Guiné as coisas não se passavam assim e os grupos ou
contavam com a minha presença ou então enfrentaram estas
primeiras experiencias sozinhos o que convenhamos não era nada
acertado.
Se nas primeiras operações nada de assinalável aconteceu, nesta
repartida por dois lados, um grupo a cavaleiro da estrada Mansoa
– Bissorã (o que teve o contacto e que capturou a Simonov),
enquanto no eixo Mansoa – Mansabá, seguiram dois grupos sob o
comando do adjunto da companhia.
Quero aqui aproveitar para fazer uma breve caracterização da
zona.
Começo por dizer que em meados de 72 ainda encarávamos com um
certo optimismo a situação operacional pois tínhamos
superioridade aérea que nos permitia ter apoio de fogos na hora,
evacuações ou reabastecimentos a pedido.
Isto dava-nos uma
enorme vantagem sobre o inimigo desde que soubéssemos o que
estávamos a fazer.
Convém aqui dizer que só em 76 (já a guerra tinha terminado) é
que nos foi dito que para atacar as posições inimigas tínhamos
que ter certas condições de apoio de fogos, caso não o ataque
estaria condenado ao fracasso.
Que pena que esta “rapaziada dos
compêndios” não tivesse aparecido mais cedo.
Mas graças a Deus éramos capazes de pensar e apesar de as ordens
que recebíamos serem de destruir tudo “à espadeirada” sabíamos
que devíamos apoiarmo-nos nos aviões ou na artilharia se nos
encontrássemos dentro do seu alcance.
A zona onde decorreu a operacional foi como já disse a área que
era conhecida genericamente por Morés pois no seu centro ficava
a antiga tabanca do mesmo nome. Podia dizer que ficava dentro da
zona delimitada pelas nossas posições de Mansoa – Bissorã –
Cutia e Mansabá.
Ao longo das duas estradas já mencionadas a de M-B que corria no
sentido sul – norte e a M- Cutia – Mansabá no sentido oeste
nordeste e partindo de qualquer das estradas em direcção ao
interior onde no centro geográfico ficava o Morés se podia
imaginar 3 faixas de terreno a primeira até à primeira bolanha
era considerada território sobre nosso controle por norma não
eram de prever contactos nesta zona.
"...
A zona de bolanha funcionava como fronteira e quando a
cruzávamos entravamos em zona onde o inimigo fazia sentir a sua
acção que aumentava à medida que caminhávamos mais para o
interior...."
A zona de bolanha funcionava como fronteira e quando a
cruzávamos entravamos em zona onde o inimigo fazia sentir a sua
acção que aumentava à medida que caminhávamos mais para o
interior.
Desde logo dava para perceber que se quiséssemos fazer alguma
coisa sem levar porrada teríamos que entrar de forma
desapercebida na zona inimiga bater e retirar sob pena de
ficarmos em situação de desvantagem face a um inimigo que
protegia os seus quartéis principais com postos dispostos em
circulo tornando dificil qualquer progressão.
Na altura estava na memória uma operação dos comandos africanos
que tinham conseguido chegar até à antiga tabanca do Morés e aí
foram surpreendidos por forças do PAIGC que os cercaram e que os
obrigou a bater em retirada cada um para seu lado, coisa que as
tropas africanas podiam fazer com sucesso pois conheciam a zona
e estavam treinados.
Cabe aqui referir que a organização do inimigo no local
assentava em dois tipos de forças: umas pertenciam ao exército
de libertação nacional (exercito regular) organizado em corpos
de exército (?) bigrupos e grupos com unidades de infantaria e
também de artilharia.
As outras eram as forças armadas locais, milícias que protegiam
e controlavam as populações que viviam com o inimigo.
Os quartéis onde se acolhiam eram designados por “ barracas”.
As populações viviam em tabancas e, ou moranças.
Tudo isto para dizer que a operação de que estamos a falar foi
planeada para se desenrolar em duas áreas que como expliquei
antes sob nosso controle.
Mas como nós actuávamos na área “deles” também “eles” nos faziam
visitas ou esperas.
Enfim imaginemos D Afonso Henriques e os “fossados” só que aqui
tudo se passava numa área incrivelmente pequena.
Não tenho a certeza mas da bolanha fronteira até à estrada
seriam 3/4 Kms. Não havia pois à partida muita acção a esperar à
semelhança do que tinha vindo a acontecer até então.
Era porem algo com que se não devia contar no Teatro da Guiné e
era também de esperar que o inimigo já tivesse dado conta da
nossa presença em Mansoa e só aguardava ocasião para nos por à
prova e esta era a primeira vez que a duração da operação
ultrapassava as 24 horas o que obrigava a passar a noite na mata.
Pois então tínhamos que ao fim da tarde do 1º dia o grupo de
combate (3º) detectou um elemento inimigo isolado que emboscou
tendo o morto e capturando uma Simonov.
Na sequência deste acontecimento o inimigo deu sinal de si
disparando tiros para o ar em locais em volta do grupo e
relativamente próximo.
A situação era de tensão apesar do grupo estar relativamente
próximo da estrada e em caso de necessidade facilmente se poder
levar apoio desde Mansoa onde se encontravam os restantes 3
grupos da 38CC.
E foi nesta situação que um furriel do grupo deu sinais de falta
de capacidade para ser comando e receber o respectivo crachá.
Foi com grande desapontamento que recebi a notícia pois era
precisamente o comandante da equipa que eu chamava de Braga pois
todos os seus elementos eram originários da região de Braga.
Na realidade nestas coisas as aparências iludem.
Boa estampa física, ninguém diria que tal se iria passar.
Foi-se psicologicamente abaixo e durante uns tempos até sair da
companhia, perdia a capacidade da fala, bastava que houvesse um
trovão perto…mas este foi um mal menor comparado com os que se
passou com os outros dois grupos que para Este deste local e a
norte da estrada Mansoa Cutia patrulhavam a zona que descrevi
como sendo de nosso controlo.
Confiantes talvez que a zona era de pouco provável contacto com
o inimigo as horas foram se passando sem qualquer indício do que
se iria passar durante a noite.
Apesar de já estarem na Guiné há
cerca de um mês e como tal estarem bem cientes do facto que nos
trópicos o crepúsculo ser de duração muito curta (isto é matéria
especifica da instrução de técnica de combate – preparação para
o período nocturno) estes dois grupos viram-se numa situação em
que boa parte dos elementos ainda estavam de latas (de ração de
combate) na mão quando a noite cerrada se instalou.
E daí para a frente pouco remédio houve.
É NEP nos comandos, não se dorme no sítio onde se parou para
tomar a 3ª refeição pois no caso de o inimigo estar atento de
certeza que haverá problemas de noite.
E o inimigo estava atento.
O que se passou? Certamente o inimigo alertado por procedimentos
tácticos incorrectos, detectou os nossos 2 grupos aguardou pela
ocasião propícia e pela meia-noite atacou com RPG e armas
automáticas com fogo apurado e seguros do local onde nos
encontrávamos.
"...
As nossas forças ripostaram, mas os estilhaços de RPG não
perdoam e no fim do contacto tínhamos 3 feridos graves e 10
ligeiros...."
As nossas forças ripostaram, mas os estilhaços de RPG não
perdoam e no fim do contacto tínhamos 3 feridos graves e 10
ligeiros.
Estava em Mansoa quando ouvi nitidamente o troar das armas e
posto em contacto com as nossas forças inteirei-me da situação,
seguindo rapidamente para Cutia local mais próximo do
acontecimento e de onde mais facilmente me possibilitaria fazer
a recuperação dos dois grupos.
Alivio logo anuviado pela constatação de que tínhamos perdido um
homem, o que na pior das hipóteses ou teria sido apanhado à mão
ou teria ficado morto no local.
A situação não era nada boa e vi que tinha de mudar a forma de
como estava a decorrer o treino operacional.
Depois da chegada da coluna apeada a Cutia aos primeiros alvores
do dia urgia sem demora evacuar os feridos.
Organizou-se a coluna para marchar para Mansoa para que daí se
tratasse das evacuações para o Hospital Militar de Bissau.
Os 10 kms que nos separavam, faziam-se rapidamente pois a
estrada era de asfalto, porem sensivelmente a meio do percurso
fui alertado para um vulto que se via na orla da mata, que
distava da estrada cerca de uns 100mts.
De início pensamos ser do inimigo mas logo verificamos que era
um soldado nosso.
Paramos a coluna e aguardamos a sua integração.
Era o 1cabo….. , o elemento de que tínhamos dado falta quando os
2 grupos tinham chegado a Cutia.
Ali mesmo nos contou a sua incrível história: relatou que quando
começaram os tiros e rebentamentos, respondeu ao fogo inimigo
mas que depois tudo emudecera e aguardou pensando que o resto de
pessoal estaria ali ao lado.
"... Só quando o dia
começou a clarear é que viu que quem estava perto de si eram
elementos do PAIGC que arrastavam alguns corpos, certamente
fruto da nossa acção...."
Só quando o dia começou a clarear é que viu que quem estava
perto de si eram elementos do PAIGC que arrastavam alguns corpos,
certamente fruto da nossa acção.
Aguardou escondido e viu que eles retiraram da zona e então
meteu pés ao caminho seguindo em direcção contrária á tomada
pelo inimigo vindo então ao nosso encontro.
Na altura, lembro-me bem, trazia consigo apenas a G-3 municiada
com uma bala de salva porque na confusão da noite não consegui
descobrir o bornal com dilagramas que transportava nem o seu
cinturão com as cartucheiras e restante material.
Mais tarde quando esclareci estes acontecimentos apercebi-me que
no final do contacto, foi dada ordem para desfazer o dispositivo
“em circulo” entrando em “coluna por 1”, possivelmente o 1º cabo
estaria a tentar localizar na escuridão os seus pertences
perdendo o contacto com os restantes elementos.
Estes por sua vez na contagem não se aperceberam da sua falta.
Acabou por terminar de forma menos gravosa esta situação pois
até á data na Guiné já tinham sido capturados um bom numero de
militares Portugueses parte dos quais libertados nessa
excepcional operação que foi a ida a Conacri.
Desta operação que até tinha começado muito bem com o 1º “ronco”
da 38CC acabou num quase desastre que só não foi pior pela
coragem e sangue frio demonstrado por todos os intervenientes
que reagindo ao fogo inimigo provocaram baixas confirmadas ao
inimigo e que só assim impediu que este se aproveitasse da
inicial situação favorável que poderia mesmo ter conduzido ao
aniquilamento total da nossa força.
Também a capacidade demonstrada pelo 1º cabo ……que muito perto
do inimigo soube raciocinar, aguardando a sua oportunidade de
sair de tal situação, o que fez percorrendo cerca de 5kms
sozinho, deduzindo correctamente qual a direcção que devia
seguir e que o conduziu à junção com as nossas forças.
Também há que salientar a lição de estoicismo dado por todos os
feridos que num clima de apreciável insegurança conseguiram
pelos seus próprios meios e ajuda dos restantes elementos
atingir o aquartelamento de Cutia, permitindo assim a sua
posterior evacuação para o Hospital militar.
Das lições que foram tirados desta operação salienta-se que
durante o resto da comissão nunca mais utilizamos o dispositivo
“em círculo” para dormir, passando a faze-lo em coluna por um,
pronta a deslocar-se pois mais nenhum elemento tirou o
equipamento ou se separou do seu armamento.
Cada elemento da companhia passou a saber muito bem quais os
preparativos que tinha que fazer no mato quando anoitecia e as
noites englobaram sempre um ou mais deslocamentos em “passo
fantasma” para que o inimigo não pudesse ter a certeza aonde nos
encontrávamos.
Relativamente à operacional decidi passar a integrar no terreno
as acções seguintes até a companhia estar rodada.
Foi decidido voltar ao local na próxima operação fazendo-se uma
alteração ao que inicialmente tinha sido planeado.
Resta dizer que o 1º cabo …..do qual não recordo o nome, era
Madeirense ou Açoriano, penso que o único da companhia e quiçá
por ser das Ilhas nunca tivemos o prazer de o rever nos
convívios que anualmente realizamos.
Seria bom ouvir de novo pelo protagonista a história do seu
primeiro contacto com as forças do PAIGC e o episódio do corta
mato.
A operação anterior de nome “Feitura 1” foi realizada em
24/25jul72.
Dela resultaram feridos e evacuados para o hospital militar de
Bissau, 2 alferes, 1 furriel 10 praças.
É justo salientar o comportamento de todos como foi referido e
de por em relevo o comportamento dos dois alferes os mais
graduados da força pois apesar dos ferimentos próprios não
deixaram de comandar e levar a bom porto uma coluna apeada
dentro de uma mata fechada, de noite, conseguindo com o seu
esforço minorar uma situação que a não ser assim poderia ter
resultado num desastre total.
Seguinte: Descrição da Operação Feitura II