38ª Companhia de Comandos

ARMAMENTO CAPTURADO AO INIMIGO


OPERAÇÕES DA 38ª COMPANHIA DE COMANDOS


OPERAÇÃO FEITURA II

38ª COMPANHIA DE COMANDOS

 

Operação Feitura II (26 - 27 Julho 1972)

Relato feito a partir das memórias do Capitão Comando Pinto Ferreira

No dia 26 regressei ao local com dois grupos de combate (um dos quais era o3º) para executar a operação “Feitura 2”.

Face á má experiencia anterior que também resultou de uma certa ingenuidade de quem projectou a operação (os grupos entraram na zona de dia junto ao aquartelamento de Cutia) permitindo que qualquer observador inimigo adivinhasse as nossas intenções e preparasse a acção que nos causou aquele rol imenso de feridos.

Para evitar esta situação pensei no estratagema de sair de noite em coluna auto em direcção contrária ao local e saltar das viaturas a meio do caminho fazendo todo o caminho depois de noite em marcha apeada.

O plano tinha lógica mas há sempre um mas… desde Lamego que sentia que havia 3 instrumentos que me dariam muito jeito para as operações e que eram óculos de visão nocturna (os que havia na altura não eram portáteis) armas com silenciador e o futuro e actualmente corriqueiro GPS.

Com estes “brinquedos” muitos dos problemas teriam solução dentro da companhia Há falta deles tínhamos de “caçar” com os gatos que havia.

Na realidade com os óculos de visão nocturna e o GPS (que ainda não existia) seria fácil fazer o percurso durante a noite e aparecer de madrugada na zona pretendida.

Acontece que havia nas milícias de Mansoa um valente milícia que servia de guia às nossas tropas.

Com os cuidados e segredos que estas coisas envolvem foi mandado chamar o guia que esclareceu que era capaz através de um trilho sair da estrada onde eu esperava apear-me das viaturas e conduzir-nos até à área onde se tinha dado o contacto duas noites antes.

É claro ia-me arriscar a percorrer em cima dum trilho uma longa distancia durante a noite e se tivesse azar podia cair em armadilhas ou ser emboscado, mas “a sorte protege os audazes” é o lema dos comandos e depois de uma derrota ou mesmo um empate há que conseguir uma vitória.

Nesse 26 de jul72 véspera do aniversário da minha Mãe, por volta da meia-noite saiu de Mansoa uma coluna auto (com os faróis nos mínimos) com 3 grupos de combate na direcção Braia e Infandre precisamente em direcção contrária à que pretendíamos atingir e algures os dois grupos que sob o meu comando iam cumprir a operação saltaram rapidamente das viaturas enquanto que a coluna continuou a sua marcha para norte e bem longe deu meia volta e regressou ao quartel tendo o cuidado de todo o pessoal que regressou sem barulho irem para as respectivas casernas tentando que nem mesmo a restante guarnição desse por estes movimentos o que penso que conseguimos.

Quanto a nós íamos iniciar uma operação apeada, tomamos as medidas inerentes ao início do deslocamento.

À frente o guia e de seguida eu, pois mesmo com guia não me deixava levar de olhos fechados.

Dentro dos grupos havia quem tivesse por missão contar os passos (transferidos para centenas de metros) e me fosse informando das distâncias que íamos cumprindo de maneira que no mínimo eu e os dois comandantes de grupo tivéssemos a ideia da nossa localização.

Assim andamos toda a noite, a boa velocidade por um trilho paralelo à estrada Mansoa, Cutia, Mansabá, pelo lado norte. O trilho corria a maior parte do tempo a curta distância da bolanha que também toma a mesma direcção.

A dada altura o guia fez-me sinal que devíamos “cambar” a bolanha para a outra margem pois não o poderíamos fazer de dia sob pena de sermos logo detectados.

Ponderei a situação e assumi que tinha que correr mais este risco se queria obter alguma surpresa.

Atravessamos a bolanha e encontramos outro trilho que seguia a mesma direcção que o que deixáramos na outra margem.

Passado pouco tempo o céu começou a apresentar os sinais de que um novo dia ia acontecer.

E aquela hora, apresentava-se húmido como se uma orvalhada de S João nos estivesse a cair em cima.

À medida que avançávamos começamos a distinguir cada vez com mais nitidez a paisagem que nos envolvia, até que chegamos a um local em que trilho que vínhamos a seguir terminava entroncando num trilho que dum lado vinha da bolanha e para outro internava-se numa mata que se desenvolvia para norte da posição onde nos encontrávamos.

Decidi parar nesse local para ligar o rádio TR 28 e comunicar para Mansoa onde estávamos.

Pela minha ideia estaríamos em frente e no lado contrário à área onde dois dias antes se dera o contacto.

De imediato coloquei uma equipa a emboscar o trilho que vinha do rio (Furriel Mário Carvalho) e outra dentro da mata que acolhia o trilho a norte.

Comigo e junto ao rádio uma equipa e o comandante de grupo (alferes Amaral) a que pertenciam estas a equipas.

Ao longo do trilho na direcção de onde tínhamos vindo estava emboscado o outro grupo de combate. Iniciei os procedimentos para estabelecer a ligação rádio.

Em poucas palavras dei a minha localização e o que me encontrava a fazer e aguardei.


"... Seguiram-se aqueles momentos em que quem combateu neste tipo de guerra não sabe se aprecia ou não. Por um lado parece-nos que não estamos a fazer nada e que estamos a descansar. Por outro lado sentimos que estamos tensos e que tudo aquilo que se passa à nossa volta não nos escapa...."


Seguiram-se aqueles momentos em que quem combateu neste tipo de guerra não sabe se aprecia ou não.

Por um lado parece-nos que não estamos a fazer nada e que estamos a descansar.

Por outro lado sentimos que estamos tensos e que tudo aquilo que se passa à nossa volta não nos escapa.

Por momentos os nossos pensamentos vão para bem longe dali fazendo-nos esquecer a pele molhada pelo suor da longa marcha nocturna a que se juntava agora a cacimba que nos envolvia e nos recordava a noite mágica de 24 de Junho ou mesmo o amanhecer de 29 de Julho no alto de St Marta.

São pensamentos que nos fazem sorrir pelas alegrias que nos recordam.

Estava eu envolto nestas lucubrações com os olhos e ouvidos e mesmo o nariz recebendo os inputs do que à volta de mim se passava, quando do lado da equipa que emboscava o trilho da bolanha se ouviu um tiro seguido de mais dois ou três.

Pelo “banana” interrogo o chefe de equipa qual a origem dos tiros.

No meio da atrapalhação natural relatou-me que tinham atirado em dois “turras” que lhes acertaram mas que fugiram.

De imediato corri pelo trilho abaixo para verificar o que se tinha passado.

Foi-me explicado que tinham emboscado 2 “gajos” que tinham a certeza que não falharam mas que eles tinham fugido.

Interroguei qual a direcção tomada e logo seguido pelo comandante de equipa e por um soldado, atravessei para o lado de lá do trilho num local onde avultava um vasto “muxito”.

Aí, no chão dando parcos sinais de vida jaziam dois combatentes.

Expliquei ao comandante da equipa o que devia ter feito logo a ter feito fogo.

De seguida foi-me reportado como tudo se teria passado.

A equipa estava a emboscar o trilho num local de onde tinha comandamento sobre a bolanha.

Um tiro disparado do outro lado da bolanha chamou-lhes a atenção para o local.

Viram dois homens fardados e armados que depois de aguardarem alguns momentos iniciaram vagarosamente a travessia.

Iniciando de seguida o percurso no trilho que os dirigiu directamente para o seu fim.

A equipa disparou curto e certeiro.

Houve a percepção de que tinham atingido os seus alvos.

E com certeza aguardaram ordens para a fase seguinte de exploração.

Se bem que na altura a minha primeira reacção foi de ver que apesar de os terem atingido e não terem de imediato explorado a situação passados mais de quarenta anos reconheço que a actuação da equipa foi excelente.

Com muita serenidade mantendo-se quietos no local, para passarem dissimulados, aguentaram com muita calma até que pudessem disparar sem correr o risco de errar, não importando que do outro lado estivessem dois guerrilheiros com certeza já com alguns anos de guerra, experimentados no combate, conhecedores da zona e sabedores de tudo o que importava ali à volta.


"... E esta equipa não vacilou apesar de ter sido posta à prova pela primeira vez, matar ou morrer. ..."


E esta equipa não vacilou apesar de ter sido posta à prova pela primeira vez, matar ou morrer.

Os dois corpos foram descobertos.

Dei ordens para que fossem aliviados de tudo o que possuíam.

Ali tínhamos uma AK 47 e uma Simonov, uma pasta com documentos e dinheiro entre outras coisas.

Da análise dos documentos permitiu-nos concluir que tínhamos abatido 1 comandante de bigrupo e 1 comissário político que “viajavam” do Sara (zona que estendia a sul da estrada Mansoa Mansabá até ao rio Corubal.

Naquele momento sabia que tínhamos feito aquilo para que viéramos isto é fazer com inimigo morresse pela sua pátria ou pelos seus ideais.

Mas não tivemos tempo para grandes tiradas filosóficas pois como sempre acontecia quando abríamos fogo, o inimigo logo disparava de várias direcções indicando que estava ali e que poderíamos contar com ele.

Se até agora nos tínhamos infiltrado na área sob controlo inimigo de maneira a que conseguíssemos criar surpresa dali até ao final da operação teríamos que saber operar para que o inimigo não nos surpreendesse a nós.

Era um jogo de gato e do rato em que qualquer dos contendores podia ser o roedor ou o felino.

A 38CC tinha como nome de guerra “Os Leopardos” pois era a maneira como eu via aquela guerra.

Devíamos ser como o leopardo, atacar a presa e escapulir-se do local antes que os amigos da presa fizessem de nós musaranho.

E quanto nos custaria não ter as tais armas com silenciador.

Na situação que vivíamos cada vez que dávamos um tiro perdíamos a oportunidade de encontrar o inimigo distraído e aproximarmo-nos suficientemente perto dele para que lhes pudéssemos disputar o material e verificar os mortos ou outros.

Caso contrário ele manter-nos ia à distancia fruto do maior alcance dos seus RPG que ultrapassavam largamente o alcance das nossa armas similares.

O resto da operação levou-nos a calcorrear ambas as margens da bolanha sempre de forma a que não caíssemos nas possíveis armadilhas que o inimigo pudesse preparar para nós.

A pior era sem duvida a possibilidade de concentrarem forças e encurralarem-nos dentro de um circulo de que dificilmente sairíamos.

Para o evitar saía-nos do pelo.

Havia que aproveitar o terreno cumprindo todas as regras que a táctica ensinava.

E no curto espaço de um mês já tínhamos tido a oportunidade de ver que aqui os erros pagavam-se caro e que o slogan da instrução que dizia “o suor exigido na instrução é sangue que se poupa em combate” também se aplicava aqui.

Esta operação chegou ao fim sem qualquer baixa da nossa parte e daí a dias era recebida uma mensagem do General Comandante Chefe em que felicitava a 38ªCC pelo êxito e sobretudo pela sua determinação revelada através dos resultados obtidos.

As palavras surdas e frias da cerimónia de recepção tinham ficado para trás.

 


Armamento apreendido



Referência Elogiosa

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Trigésima Oitava Companhia de Comandos
A Sorte Protege os Audazes
Guiné 1972 - 1974

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