OPERAÇÕES DA 38ª COMPANHIA DE COMANDOS
MANSOA 2
38ª COMPANHIA DE COMANDOS
3 de Fevereiro a 15 Junho 1973
Relato feito a partir das
memórias do Capitão Comando Pinto Ferreira
Segundo a história oficial em 04
Fevereiro 73, a 38CC deslocou-se para Mansoa.
Assim aconteceu e com a 38CC deslocaram-se também os familiares
dos militares que com eles viviam em TP.
Chegamos a Mansoa e ainda antes de anoitecer o inimigo resolveu
mandar umas canhoadas do lado da bolanha que fica a sul do
quartel.
Quarenta e tantos anos são passados sobre esse dia noite em que
longas horas foram vividas ás costas dos meus camaradas.
Um marco como outros que não esqueço e que me leva a pensar na
camaradagem e solidariedade que encontrei nas Forças com quem
combati.
Nesta minha rememorização deste período da minha estadia na
Guiné não surgem bem focados episódios então vividos e julgo que
por dois motivos principais por um lado não tivemos como
acontecera até então feitos que designamos de importantes como
foi o facto de capturarmos armamento ao inimigo e porque no mês
de Maio aconteceram os episódios de Guidage e que pela sua
importância acabam por ofuscar tudo aquilo que nos entreteve até
esse momento desde o regresso a Mansoa.
Mas com a ajuda da história da unidade e as recordações avulsas
que ainda possuo ainda consigo escrever algo que faça entrever
esse período.
Antes porem há que falar deste regresso.
Comecemos pelo quartel.
O batalhão tinha sido substituído, novas caras, novas ideias mas
não foi difícil adaptarmo-nos à nova situação.
Novamente o nosso entusiasmo (que ainda não se tinha esgotado)
de adaptarmos os nossos espaços com a nossa simbologia e criar
condições para dentro de um quartel de batalhão de caçadores
conseguirmos delimitar um cantinho Comando.
No aspecto operacional tinha sido aberta uma nova zona de
operações a sul da estrada Mansoa Mansabá na chamada zona do
Sara, Saruol, mais concretamente nas matas do Changalana devido
à construção de uma nova estrada que iria ligar Mansoa a Porto
Gole, estrada que passava precisamente em cima da “Barraca de
Changalana” onde constava que o inimigo além de um quartel teria
também um hospital de campanha.
Assistiu-se por isso a um intensificar das reacções do inimigo à
nossa penetração na sua zona.
A companhia nesta situação fazia operações na zona do Morés, já
nossa conhecida da primeira passagem e passou a actuar nesta
nova frente, fazendo protecção com patrulhamentos á frente da
zona de trabalhos da engenharia.
Mobilizando normalmente um bigrupo enquanto o restante
descansava.
Na vila propriamente dita pontificava o Restaurante do Simões
que continuava a presentear-nos com uma carta que nos fazia
esquecer que estávamos nos confins da África.
Agora já não saltávamos quando o obus nas noites de chuva e
trovoada ribombava.
Mas não deixávamos de escapar as nossas gargalhadas quando os “periquitos”
batiam as asas e se enfiavam debaixo das mesas.
Ainda agora quando passo na Mealhada, Cúria, não resisto a ir
visitar o Simões e comer lá um bom naco de leitão acompanhado de
bom vinho, boa salada e “fritas” recordando vários episódios de
dias difíceis mas que são os que perduram nas memórias (depois
destes escritos cumprimos finalmente uma visita ao Simões em que
conseguimos juntar cerca de duas dezenas de Leopardos que
lembraram como apreciarmos termos em Mansoa o Simões e o seu
restaurante, na altura a doença já o minava e é com pesar que
registo o seu falecimento pouco depois desta reunião).
Também tínhamos um novo Administrador totalmente diferente do
Amigo franco e aberto que era o Guerra de Bragança.
Em pouco tempo as pegas com a Companhia e os seus elementos
foram uma constante, sorte é que o Coronel Durão já nos conhecia
muito bem ... e a "musica" do novo A não lhe entrava nos ouvidos....
Depois era a tasca do libanês e família, com os amores que a
filhota e não só, acendia em corações da companhia e por ultimo
o cine esplanada com a plateia e o balcão e as cadeiras pelo ar
quando a meio da coboiada o inimigo resolvia também entrar nos
tiros e atacava um dos quartéis adjacentes e o pessoal da
plateia cujas cadeiras eram amovíveis na pressa de sair para
acorrer onde era necessário tudo empurrava dando sinal ao balcão
sonolento que algo estava a acontecer.
Mas Mansoa tinha também o Clube de Futebol “Os Balantas” filial?
do “Belenenses”, o “Cobiana Jazz” e a tasca do gerente onde se
comiam uns passarinhos fritos cuja apetência tanto me iria fazer
arrepender.
Passando os olhos pela história oficial vejo o que reza no
período compreendido entre Fevereiro e Maio e confronto com as
minhas próprias recordações.
Começando pelas páginas da história verifico que em 7 de
Fevereiro capturamos 1 elemento da população na região do
Cubonge; no dia 9 na região do Damé, foi avistado um elemento da
Pop (?) que se pôs em fuga, na sequência da perseguição
efectuada, capturadas duas mulheres.
Em 13 nas regiões de Ga Fará – Mancofine- Sansanto, abatido 1
elemento inimigo. A 20 na região de Cubonge, abatido 1 elemento
inimigo seguido de 2 contactos com 2 grupos inimigos que
sofreram vários feridos.
A 38CC sofreu 2 feridos ligeiros.
A 26 realizou-se a operação “Empresa Titânica” nas regiões de
Cambajo, Iracunda, Fajonquito, Mansodé sendo capturados vários
elementos da população e capturada uma granada de morteiro 82mm.
Nesta altura aconteceu o acidente que atingiu o meu amigo Cabo
Comando Quintas e que lhe provocou fractura dos tornozelos ao
ser cuspido do Unimog em que seguia (agradeço-lhe toda o apoio
que me tem dado para que conclua estas memórias e que serão algo
que certamente mais irá consolidar a “nossa família da 38CC”)
Em 06 Março na operação “Gente Valorosa” em conjunto com os “Comandos
Africanos” e na área referida para a ET foram capturados
elementos da população.
Nesta acção a minha memória lembra-me de ter assistido numa
margem de uma bolanha a um contacto entre elementos dos comandos
africanos e elementos do PAIGC e posso dizê-lo foi
impressionante ver os comandos de pé sem nunca se atirarem para
o chão defrontarem o grupo inimigo.
Desta também recordo uma das noites em que um grupo inimigo
tentou à roquetada descobrir onde estávamos e fazendo com que
revelássemos a nossa posição.
A história é curta e simples: antes do anoitecer começamos a
tomar as disposições para passar a noite.
Em silêncio tomamos aquilo a que designamos por 3ª refeição.
Quem quis agasalhou-se que as noites apesar de quentes traziam
sempre a humidade que misturada com o suor que encharcava as
nossas roupas transmitia-nos a inquieta sensação de frio molhado
que quem viveu estas situações não ousa esquecer.
O bigrupo deslocou-se em fila para a primeira paragem da noite.
Deslocamento com todo o cuidado, marcha flectida no chamado “passo
fantasma”.
Desde o ataque nocturno na zona de Cutia ainda na fase
operacional que ninguém pensava em estar de noite, muito tempo
parado no mesmo lugar.
"...
Estávamos nessa primeira paragem quando dois disparos de RPG
dirigidos para o lugar onde tínhamos estado a comer alertaram os
nossos sentidos..."
Estávamos nessa primeira paragem quando dois disparos de RPG
dirigidos para o lugar onde tínhamos estado a comer alertaram os
nossos sentidos.
Transmiti calma ao pessoal e mandei passar palavra para informar
qual seria a nossa próxima direcção de deslocamento na iminência
de os disparos serem agora dirigidos para a posição que
estávamos a ocupar.
Calados que nem ratos aguardamos.
O inimigo tinha na sua mente fazer com que nós pelo “fogo”
revelássemos o local do nosso poiso.
Passado um bom bocado com a tensão que uma situação destas
acarreta dei ordem para andarmos mais um bocado ou melhor
gatinharmos pois foi assim que nos deslocarmos até atingirmos
outra zona onde achei ter alguma segurança.
Mais uma vez mais dois disparos de RPG e nós mais uma vez
silenciosos sem darmos asas a que o inimigo atingisse os seus
intentos.
Finalmente chegou a manhã, com ela o guarda-chuva protector da
nossa força aérea.
Não sabia que iria ser por pouco tempo mais pois os Strella
estavam a chegar.
Como foi mau, perder o conforto do apoio de fogos e as
evacuações na hora, ou mesmo a água ou munições que nos
permitiam mais um último esforço, como o “chazinho” no intervalo
dos jogos de futebol.
A 11 a acção “Jusante” na zona do Cubonge com vários feridos
causados ao inimigo, a captura de uma granada de RPG 2 e a
destruição de uma arma RPG.
A 38CC sofreu 3 feridos ligeiros.
Penso que esta acção foi aquela em que baptizei o meu novo
alferes adjunto, actual Coronel Saraiva da Rocha que dias antes
tinha sido presente na Companhia.
Á semelhança do que acontecera comigo 6 anos antes também aqui o
exército mandava os seus jovens alferes para na realidade do
campo de batalha aprenderem para desempenharem as funções que na
altura eram mais necessários: Comandantes de Companhia.
O alferes Rocha vai passar curtos meses na 38CC mas tomará parte
em acontecimentos importantes de que saliento as duas colunas
que a companhia efectuou a Guidage, neles a sua actuação foi
relevante.
Pois o seu baptismo não começou da melhor maneira mas “periquito”
é assim mesmo.
A cena começou com um grande alto numa zona de árvores altas e
frondosas.
A visibilidade era reduzida e calor abafador conduzia a uma
certa sonolência.
O pessoal estava disposto num largo círculo aproveitando os
grossos troncos do arvoredo como local aconselhado para um bom
abrigo.
Fiados na protecção obtida, a vigilância descurada. Contudo eu
que não durmo em serviço sempre observando o que se passava à
volta como radar de navio que está alerta para as ameaças.
Não descortinei o cansaço dos meus homens mas apercebi-me porem
de vagas silhuetas que uns metros para lá do exterior do círculo,
como fantasmas se deslocavam de forma etérea tentando passar
desapercebidos à nossa volta.
De um salto ponho a pé e corro para o lado oposto donde estava e
invectivo os cegos que não queriam ver aquilo que lhes estava a
passar ao lado.
Mas já tinham partido, no seu encalço seguimos na direcção em
que os tinha visto movimentar.
Fomos dar com eles a alguma distância em campo aberto.
Ordenei o assalto em linha e corremos ao seu encontro.
"...
Da troca de tiros acabamos por sofrer 3 feridos ligeiros, um dos
quais julgo furriel...."
Da troca de tiros acabamos por sofrer 3 feridos ligeiros, um dos
quais julgo furriel.
O alferes Rocha ofegante exultava por esta primeira acção. Na
minha “velhice” viro-me para ele e pergunto-lhe pelo rádio que
consigo trazia com.
Olha para si mesmo e repara que não o tem. “Porra “ deixei-o
ficar no sítio onde iniciamos o assalto. “Vá depressa! Toca a ir
buscá-lo”.
Sorte nossa o assunto ficou resolvido em 5 minutos e o rádio
voltou ao nosso convívio.
Numa altura em que a guerra já nos tinha feito muitas mossas a
chegada do Alferes Rocha com todo o seu entusiasmo operacional
contrastava com o peso que carregávamos em cima.
Revejo-me agora na mesma figura na minha primeira comissão com o
entusiasmo de alferes a enfrentar um capitão cansado.
Sei que não lhe transmiti os valores que a mim evidenciaram, mas
admito que às suas incessantes conversas sobre situações de
combate eu e os restantes graduados pouco ou nada tínhamos a
dizer pois tudo o que já tínhamos experimentado não nos
facilitava o determo-nos nestes assuntos preferindo outros bem
mais arejados.
A história continua com um patrulhamento ofensivo na região de
Changalana em 20 Março em que um bigrupo da 38CC sob o comando
do adjunto foi flagelado à distância por armas automáticas e
morteiro 82 sem consequências.
Seguinte: Descrição da Operação Jogada XIII