OPERAÇÕES DA 38ª COMPANHIA DE COMANDOS
2ª ESCOLTA A GUIDAGE
38ª COMPANHIA DE COMANDOS
29 Maio 1973
Relato feito a partir das
memórias do Capitão Comando Pinto Ferreira
O texto que se segue faz
parte do depoimento que redigi para o Livro do Coronel Manuel
Amaro Bernardo, “Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros” tem
alguns comentários feitos no Face Book a propósito de relatos de
origem diversa em que se destaca a publicação do IDN “ Guiné
1968 e 1973” onde rebatemos as afirmações feitas na 2ªcoluna da
pagina 89 e o inicio da pg 90.
Vou referir rapidamente o ambiente operacional, que se vivia na
Guiné em 1973.
Amílcar Cabral tinha sido morto no princípio do ano, os SAM 7
apareceram nos céus da Guiné, a nossa aviação estava a tentar
aprender a lidar com esta nova situação e as forças terrestres
sofriam as consequências de se verem quase totalmente privadas
do apoio representado pelos meios aéreos, quer no aspecto
táctico, quer logístico.
Tal veio a revelar-se redutor das nossas capacidades para
resolver as diferentes situações no terreno e a afectar o moral
das nossas tropas.
Do lado do PAIGC parece não ter havido perda de capacidade
militar, apesar da morte do seu líder; antes pelo contrário,
este movimento apareceu com novas capacidades no teatro de
operações: misseis terra-ar, novas minas e lançou duas ofensivas
quase em simultâneo, uma no norte em Guidage, e outra no sul, em
Guileje, obrigando as nossas forças a desdobrar-se para resolver
tais situações, facto que só conseguimos em Guidage.
Verifiquemos, agora, o que se sucedia em Guidage.
Em Maio de 73 esta guarnição localizada em cima da fronteira com
o Senegal, viu-se confrontada com a seguinte situação: a sua
ligação por terra era com Binta, aquartelamento situado na
margem direita do Cacheu e que lhe proporcionava um apoio de
retaguarda.
Com a chegada dos SAM 7 viu reduzida a sua capacidade
operacional para receber auxílio por via aérea.
Por outro lado, um forte dispositivo do PAIGC, nas imediações,
impediu que recebesse reforços por terra, nomeadamente
reabastecimentos logísticos. Tal aconteceu através de emboscadas
conjugadas com minas, que rebentavam mal se picavam pelo método
artesanal português de detectar/desactivar minas.
Devido a estes factos, várias colunas de reabastecimento e
socorro foram sendo destroçadas, deixando, no terreno, mortos e
material (este tentou-se posteriormente destruir através de
bombardeamentos da FAP).
Face ao evoluir da situação foi decidido lançar uma operação
sobre Cumbamori, base do PAIGC, em território Senegalês (perto
da fronteira).
Esta acção foi conduzida pelos Comandos Africanos, sob o comando
do então Major Almeida Bruno, que tinha consigo, no terreno, os
então Capitães Raul Folques, Matos Gomes e António Ramos (Pára)
e, no PCV, o Capitão Baptista da Silva.
Actuação da 38ª Companhia
de Comandos
9 a 12 Maio de 1973
Em Maio de 1973, a 38.ª C. Cmds estava sedeada em Mansoa, na
região central da Guiné, tendo a NW a região do Morés, e a SW, o
Sara – Saruol.
Na altura, devido à abertura de uma estrada entre Mansoa e
Portogole (nas margens do Geba) a Companhia fazia operações de
reconhecimento ofensivo nas zonas por onde, no futuro, iria
passar essa via, no sentido de impedir que quaisquer incidentes
atrasassem os trabalhos.
Em princípios de Maio, quando me encontrava numa destas missões
fui informado, via rádio, pelo meu adjunto, na altura Alferes
Agostinho B. Saraiva da Rocha, de que fora solicitado à
companhia uma escolta entre Bissau e Farim, para transportar
reabastecimentos para Guidage.
Então já se começavam a sentir os problemas operacionais acima
mencionados, mas ainda não se tinha realizado a missão a
Cumbamori.
Respondi-lhe que accionasse os meios no sentido do cumprimento
da missão, apesar das limitações em material, devidas ao
empenhamento do Bigrupo que estava comigo.
Realizou-se a acção até Farim e, à chegada, o Alferes Rocha, foi
confrontado com a ordem/pedido de integrar uma coluna para
tentar chegar a Guidage, já que as anteriores tentativas de
reabastecer aquela posição tinham falhado.
Sobre esta missão, quem estará melhor habilitado para falar é o
Coronel na Reserva Saraiva da Rocha.
No entanto saliento os seguintes factos: durante o trajecto foi
accionado uma mina/armadilha que atingiu gravemente o 1.º Cabo “Comando”
Filipe Tavares, sofrendo amputação da parte anterior de um dos
pés e do indicador da mão direita.
Este militar deu provas de uma inexcedível coragem, pois, por
falta de evacuações aéreas e de cuidados médicos apropriados no
local, os ferimentos gangrenaram.
Nunca se deixou ir abaixo, chegando, inclusive, a animar outros
feridos em estado relativo melhor que o dele. Dado o atraso no
recebimento de socorros, o 1.º Cabo Tavares teve necessidade de
sofrer corte da perna a nível do joelho e não apenas da parte do
pé, como teria acontecido se tivesse sido evacuado atempadamente.
Esteve nesta situação de espera durante vários dias até que foi
evacuado para Bissau.
No período de permanência em Guidage, o aquartelamento foi
continuamente atacado pelos mais diversos meios.
Os abrigos existentes eram insuficientes para os efectivos
concentrados, havendo, ao longo do perímetro, uma trincheira que
não devia chegar ao metro de altura e a um de largura.
Numa dessas valas o Soldado “Comando” Raimundo foi atingido por
estilhaços de morteiro, vindo a falecer juntamento com o Soldado
Condutor David do CAOP1 e no momento ao serviço da 38ªCC.
Realça-se que ao contrário de escoltas/colunas anteriores, o
reabastecimento chegou ao seu destino e não foi abandonado no
campo de batalha
A coluna, a quatro
companhias, a caminho de Guidage
29 de Maio de 1973
A segunda coluna da 38.ª C. Cmds, a Guidage, foi efectuada
depois da operação a Cumbamori.
Apesar da realização daquela acção, em 19 de Maio, aconteceu que
as forças do Batalhão de Comandos retiraram a pé até Binta
deixando em Guidage alguns feridos, entre eles o Capitão Folques,
e o problema do cerco continuava a manter-se.
Assim, uns dias antes da ida para Guidage, fui informado de que
a companhia iria fazer uma nova coluna a esta guarnição.
Nesta circunstância, comuniquei ao Major Almeida Bruno que, face
aos problemas relativos ao novo tipo de minas, precisava no
mínimo de uma máquina de Engenharia, capaz de ajudar a construir
um itinerário novo, para ultrapassar tal ameaça.
Preparei ainda duas viaturas com munições, prontas a ser
utilizadas.
Também me foi fornecido um morteiro 81mm.
A propósito destes preparativos vejamos o que disse no FB:
“Depois do regresso a Mansoa da escolta a Guidage de 9/10 de
Maio, (C/a participação de 2 Grupos da 38CC) ouvi com muita
atenção o Alferes Saraiva da Rocha que me fez um relato
circunstanciado dos acontecimentos.
Deu para meditar sobre os diversos problemas que estavam ali em
curso, merecendo a minha especial atenção aqueles que se ligavam
directamente com a abertura do itinerário face ao aparecimento
de novo tipo de minas e também à capacidade que o inimigo
demonstrava nos ataques que realizava às nossas colunas, levando
ao esgotamento das nossas munições, resultando que por várias
vezes as NT tiveram que “fugir” deixando no terreno viaturas,
reabastecimentos e mortos.
Tal cenário levou a que fosse imaginando qual a melhor solução
para se ultrapassar tão insólita situação e a fosse discutindo
com os meus oficiais em especial o Alferes Rocha.
Entretanto dá-se o assalto a Cumbamori, (BCMDSG, sob o cmd do
Major Almeida Bruno) acção que veio de certa forma
despressurizar o cerco a Guidage e mostrar ao PAIGC que apesar
das alterações havidas no TO desde a morte de Amilcar Cabral,
ainda não tínhamos esgotado todos os nossos argumentos.
Numa primeira análise e ouvindo os dados sobre o terreno fiquei
convencido que com a ajuda de equipamento apropriado se poderia
sair da picada e fazer passar as viaturas por um novo itinerário
onde o In não teria tempo de pôr minas.
Relativamente ao potencial Inimigo estava à vista que era
importante transportar um reforço de munições e até armamento, o
que era simples visto a coluna ter viaturas.
E não foi preciso
esperar muitos dias (29Maio) para nova solicitação à 38CC para
tomar parte em nova escolta a Guidage o que me levou
imediatamente a considerar a obtenção dos meios atrás referidos.
Nesse sentido até à partida de Binta diligenciei na obtenção de
uma máquina de Engenharia capaz de naquelas circunstâncias abrir
um novo caminho e de um Morteiro 81mm (que muito jeito nos fez
nas mãos do Soldado Cmd Mendes).
Aqui se desmitifica quem veio nos seus escritos propalar tais
diligências.
Foi pois com tempo e ponderação que fui preparando a coluna para
que a mesma tivesse sucesso, materializado por chegar com “tudo”
a Guidage “
Depois de assegurados estes apoios, a companhia seguiu, a três
(?) grupos, para Farim.
Daí deslocou-se para Binta onde pernoitou.
Entretanto recebemos uma mensagem, com a Ordem de Operações para
esta coluna e onde sucintamente eram referidos os diversos
subagrupamentos, a constituir e a sua ordem de marcha.
Basicamente, eram a 38.ª C. Cmds, uma CCaç. Africanos, sediada
no K3, junto a Farim e do outro lado rio Cacheu.
Esta companhia era comandada pelo Capitão de Infantaria Mário
Rodrigues (capitão antigo com quase dez anos de posto), e julgo
que estava reforçado com um pelotão de milícias da zona.
A este subagrupamento foi determinado seguir à frente da coluna
(certamente atrás dos picadores - não posso precisar); depois
iria a 38.ª C. Cmds, seguida da companhia do Capitão Salgueiro
Maia, de reforço, e, por último, com as viaturas de
reabastecimento, a companhia do Capitão Ribeiro de Faria.
Assim, no terreno estavam 4 Capitães, numa situação em que se
justificava um nível hierárquico superior.
Quando o mais antigo (Capitão Rodrigues) viu a ordem, dirigiu-se-me,
pedindo para a minha companhia ir à frente, pois a sua não tinha
condições para avançar naquela posição.
Os outros dois capitães não puseram qualquer objecção; eram mais
modernos do que eu e na ordem de marcha seguiam atrás da minha
companhia.
Não tive duvidas que para o cumprimento da missão aquela seria a
solução mais adequada pelo que concordei com o proposto.
Vejamos o que escrevi como comentário no FB:
“Movemo-nos agora um pouco mais para a frente, concretamente
para Binta, local onde foram concentrados os 4 agrupamentos que
realizaram a coluna.
Na véspera da partida, foi recebida uma Msg com a Ordem de
Operações.
Basicamente sobressaiam 3 Pontos: constituição dos
subagrupamentos, ordem de progressão, e ausência de indicação de
cadeia de comando. Contrariamente ao que é apontado no livro a”
Ultima Missão” o subagrupamento da 38CC não era composto: 38CC + picadores, apesar de numa parte da coluna isso na prática ter
acontecido.
Também eu, Capitão Pinto Ferreira, não fui designado como
Comandante das forças, visto que no comando de um dos
subagrupamentos haver um capitão que era cerca de 6 anos mais
antigo de que eu (na prática aconteceu, que visto que a 38CC
aceitou liderar a coluna, eu assumi o papel de comandante, tal
não aconteceria se a companhia seguisse na ordem que estava
estabelecida e cujo lugar era o 2º atras da companhia do K3).
O facto do inimigo se ter sempre revelado na frente da
progressão dá bem para perceber quem aguentou com as “despesas”
da missão e quem veio regaladamente atras e não satisfeito
reclamar feitos que não produziu.
Para finalizar este comentário assinala-se que estava previsto
que os subagrupamentos marchariam com uma determinada distância
entre eles, o que desde logo teve da parte dos 4 comandantes as
maiores reservas visto os problemas de ligação que se iriam
apresentar.
Resta dizer aqui que o nosso subagrupamento em Ops era
constituído com o Pelotão Milícias do Olossato.
É também afirmado que uma das missões atribuídas era o de fazer
uma picada nova.
Aquilo que se passou é precisamente o contrário perante a
necessidade de passar ao lado das minas esforcei-me por obter o
equipamento que me possibilitasse abrir um caminho limpo, ….”
À hora aprazada do dia 29 de Maio, a coluna saiu de Binta pela
seguinte ordem : a frente um grupo /secção de picadores de uma
companhia europeia; depois ia a minha companhia a 3 grupos.
Com ela seguia uma viatura de engenharia (D6?) e outras duas minhas,
com munições, e o morteiro 81. A seguir ia a C.Cavª de Salgueiro
Maia e no fim a do Ribeiro de Faria terminava a coluna (algures
a Companhia do K3)
No início do percurso fomos sobrevoados por uma aeronave PCA,
mas dada a altitude a que voava não conseguia distinguir a nossa
coluna na picada, pelo que foi mandada retirar por estar a ser
prejudicial à nossa actuação.
No FB:
1º incidente: PCV voando em cima da coluna a uma altitude que
lhe impedia de se aperceber onde circulava a coluna.
Mandado retirar por mim devido à sua inutilidade e ser causa de
possível referencia pelo In da nossa localização.
A certa altura verifiquei que os picadores tinham dificuldade em
avançar, pelo que, juntamente com o meu adjunto, Alferes Rocha,
passámos a deslocarmo-nos juntamente com eles no sentido de lhes
levantar o moral.
Por essa circunstância os elementos da 1.ª equipa do Grupo de
Combate da 38.ª C.Cmds, que seguia à frente, foram-se juntando a
nós; entre eles encontravam-se o Furriel Ludgero Sequeira e o
n.º 1 desta equipa, o 1.º Cabo (Armando Ribeiro, “barbeiro”).
Depois de nos deslocarmos um certo tempo nestas circunstâncias,
em que frequentemente chegámos a ultrapassar os próprios
picadores, fomos surpreendidos por uma forte explosão.
Inicialmente pensei que seria o início de um ataque, mas quando
me voltei para trás, verifiquei ter sido o picador atrás de mim,
fora projectado pelos ares, indo cair a alguns metros do local
onde me encontrava.
Também junto de mim o Furriel Ludgero Sequeira estava gravemente
ferido no rosto.
Corri de imediato para junto do picador, mas, aí chegado, apenas
pude constatar a sua morte.
A evacuação não podia ser feita por via aérea.
Pensei no que viria a seguir, pois aquela explosão seria o sinal
para o inimigo aparecer como já nas outras colunas anteriores
teria acontecido.
Assim urgia estar preparado para o receber.
Passado pouco tempo chegou junto a mim o Salgueiro Maia que veio
ver o sucedido; pedi-lhe que com as suas forças se deslocasse a
Binta, a fim de a evacuação ser feita por meios navais, pelo rio
Cacheu.
Resolvido este problema da evacuação, dei ordem à minha
companhia para passar à frente dos picadores e que a coluna se
preparasse para sair da picada e começássemos a fazer uma nova
picada.
No FB:
2º incidente: rebentamento de mina por acção do picador, e
ferimentos graves num Furriel da 38CC e ligeiros em 2 soldados.
Recordo que devido á necessidade de moralizar os picadores dada
a delicada situação que se atravessava, Eu e o Alferes Rocha
deslocamo-nos para o meio deles no que aos poucos e sem que nos
dessemos conta os elementos da 1ª equipa do 1ºGr foram também
ocupando lugares entre os picadores o que originou que pelo
menos 3 elementos atras referidos fossem atingidos.
Como a Companhia de Cavalaria de Salgueiro Maia vinha depois da
38CC, aquele apareceu na frente a perguntar o que se tinha
passado.
Como eu não tinha comando sobre as suas forças, pedi-lhe que
fosse a Binta levar o morto e os feridos, no que anuiu levando
consigo os picadores.
Assim à medida que os meus homens foram chegando à frente foram
saindo para o lado esquerdo da picada com pelo menos um grupo em
linha aberta para a frente de marcha, os outros um de cada lado
em coluna (na formação de U invertido) e as viaturas que vinham
comigo (3/4) no meio deste dispositivo de marcha.
Reiniciou-se o
deslocamento de modo a nos afastarmos desta zona de minas e ao
mesmo proporcionar maior capacidade para reagir ao provável
ataque dos grupos do PAIGC.
Entretanto dei ordem para que o Pelotão de Milícias se juntasse
ao meu pelotão da frente pois era conhecedor do terreno e
desembaraçado. Mal começámos a andar fomos fortemente atacados
sobre o flanco direito.
As forças que ai estavam (um grupo de
combate da 38.ª C. Cmds e os restantes elementos da coluna dessa
zona) responderam serenamente ao fogo Inimigo, eu, através do
rádio, pus-me em contacto com o Capitão Folques, que como referi
estava retido em Guidage. Relatei-lhe o que se estava a passar e
pedi-lhe apoio de artilharia para cima das posições inimigas.
Face a esta actuação aquelas forças cessaram o ataque.
No FB:
“Estudei, face á impossibilidade do apoio da Força Aérea, a
capacidade da artilharia de Guidage obtendo os correspondentes
mapas de tiro, numa previsivel utilização como de facto se veio
a verificar (o treino obtido em Mansoa e em Gampará, deram-nos o
traquejo para utilizar este apoio e que o facto de no outro lado
da linha ter o Capitão Comando Folques veio agilizar).
Foi neste ambiente que se foi gizando a obtenção de meios e
capacidades para que 38CC estivesse pronta a cumprir a missão.”
No FB:
3º Incidente: na sequência do facto anterior e sabendo o modo
de actuação do In, imediatamente manobrei para retirar a coluna
da picada dando-lhe uma formação com 2 Grupos de comb da 38CC em
linha na frente,+ o pel milícias do Olossato (passaram nesta
altura a integrar efectivamente o Subagrupa) e o 3Gr em coluna
seguida das restantes forças presentes (excepto a que se
dirigiam a Binta em missão de evacuação).
Ainda o movimento se estava a efectuar quando o lado direito da
coluna é fortemente atacado, as forças envolvidas reagiram
prontamente e Eu, accionei a artilharia tendo o In terminado o
ataque.
Cabe aqui referir que, ao longo do percurso havia uma posição de
apoio ocupada pela Companhia Pára comandada pelo então Cap
Almeida Martins e mais à frente um destacamento de fuzileiros.
Retomámos o movimento e qual não foi o nosso espanto quando
vemos surgir no terreno plano que se estendia a nossa frente uma
longa linha de vultos, que se movimentava na nossa direcção, o
que provocou alguma expectativa no pessoal, que estava na frente
da coluna.
Procurei acalmar o pessoal dizendo-lhes que certamente eram os
Paras que se encontravam na sua posição. Mas logo estas duvidas
/ certezas foram desfeitas ao sermos fortemente atacados por
aquela longa linha de elementos inimigos que era mais extensa do
que a linha da frente da nossa coluna.
Por momentos vi interrogações nos rostos que se voltaram para
trás esperando as minhas ordens.
Convém dizer que me encontrava atrás da linha da frente e
equidistante dos dois lados da coluna, perto das viaturas.
Dessa posição controlava toda a área envolvente.
A meu lado estava o alferes Saraiva da Rocha.
Alguns elementos do Pelotão de Milícias pareciam estar com
intenções de partida (fuga?...).
Penso que a minha voz soou alto e bom som, esclarecendo que
ninguém dali arredaria pé enquanto houvesse munições e tínhamos
muitas.
O pessoal acalmou e começámos uma reacção ao ataque.
Mandei vir o morteiro 81 para junto de mim.
"... Assisti à sua
movimentação pelo soldado “Comando” Mendes que, debaixo de fogo,
subiu acima da Berliet, tirou o morteiro e carregou com ele às
costas e o apontou e á minha ordem, fazendo de apontador e
municiador, colocando as granadas onde lhe ia mandando...."
Assisti à sua movimentação pelo soldado “Comando” Mendes que,
debaixo de fogo, subiu acima da Berliet, tirou o morteiro e
carregou com ele às costas e o apontou e á minha ordem, fazendo
de apontador e municiador, colocando as granadas onde lhe ia
mandando.
No FB:
4º Incidente: já com a coluna em movimento e com o máquina de
Engenharia a aproximar-se da frente fomos surpreendidos por uma
extensa linha de combatentes inimigos a avançar para a nossa
frente.
Pelo cálculo feito por mim e pelos 2 oficiais que estavam comigo,
alferes Rocha e Alferes Almeida calculamos que fossem para aí
cerca de 100. Estávamos num ponto em que víamos toda uma
extensão plana que se revelava à nossa frente.
Ainda houve duvidas se não seria a CompPara de Almeida Martins e
outras por parte dos elementos do Olossato acerca de quais era
as nossas reais intenções já que o costume na zona era de fazer
meia volta volver quando o Inimigo voltava ao campo depois da 1ª
parte, eu como árbitro mostrei o apito e fiz ver que íamos jogar
o 2º tempo…
Creio que não há lugar a duvidas de quem realmente defrontou o
inimigo, aos meus olhos vejo a acção do Mendes e o episódio do
manejo do Morteiro 81, a calma olímpica do alferes Rocha tentado
acertar nas silhuetas In que há sua frente se moviam, o alferes
Almeida (Almeidinha) acertando o bigode e Comandando os seus
homens sabendo que havia que “aguentar”, e a longa linha de
elementos da 38CC a quem eu tinha berrado para aproveitarem a
protecção das arvores de grande porte.
A meu lado servindo de radiotelefonista o 1º Cabo Ribeiro
testemunha viva de que tudo se passou conforme o que aqui
descrevo e das comunicações com o Capitão Folques acerca dos
pedidos dos tiros de artilharia.
É triste que alguém que vinha lá para trás onde apenas se
aguardava que nós à frente resolvêssemos o problema faça relatos
imaginários e esqueça de mencionar quem para abrir caminho
sofreu baixas relatadas.
(O meu muito respeito pelas forças que
se bateram na Indochina, faz-me referir como é quem vinha atrás
da 38ªCC consegue contar o guerrilheiros que se levantaram à
nossa frente e ver a passagem das armas de uns para os outros
com o sistema de cordéis.
Que alguém conte isto ainda vá que não vá, agora que alguém
acredite e transcreva na publicação do IDN… é pena é que não
tenha referido que no episódio da 1ª mina o ferido grave e o
ligeiro são da 38ªCC que seguiam junto ao picador morto… isto
para não dizer mais. (é fácil verificar que nesta coluna de
29mai73 as baixas foram da 38ªCC e de sub-unidades que seguiam
junto à nossa companhia: picador, condutor de unimog e milícia
que ia integrado no nosso sub agrupamento, não existindo
qualquer baixa no pessoal que paulatinamente vinha atrás de nós….)
O Alferes Rocha fazia tiro de pé ajustado sobre as silhuetas que,
à nossa frente, se continuavam a movimentar.
Dei ordem ao pessoal da frente para que se abrigasse nas árvores
de grande porte que existiam na zona e escolhessem os alvos.
Á minha direita, no pelotão de milícia um homem destacava-se dos
demais: era o bazooqueiro que a boa velocidade ia despachando
bazocadas sobre o inimigo. Entretanto contactei novamente o
Capitão Folques e fiz-lhe o pedido de outros tiros para as novas
posições do inimigo.
Passado pouco tempo das granadas de artilharia começarem a
explodir o inimigo cessou o contacto.
Depois desta situação seguimos a corta mato com o dispositivo
atrás descrito e onde continuavam a faltar as forças do Cap
Salgueiro Maia (em deslocação para Binta em missão de evacuação)
Desta forma ele não esteve presente (?) durante o desenrolar
destes acontecimentos.
Também não assistiu ao episódio da mina porque a sua posição, na
coluna, se situava atrás do meu pessoal.
A coluna seguiu com as dificuldades inerentes à progressão de
viaturas em todo o terreno.
Atingimos a posição da companhia
Pára e aproveitei para contactar com o Cap Almeida Martins.
Aliás já conversámos sobre a publicação do livro do IDN, tendo
ele respondido à minha pergunta de como era possível fazer tal
publicação sem ninguém ter falado com a 38.ª C.Cmds, dizendo não
saber nada deste assunto, pois apenas lhe pediram um depoimento
sobre a sua participação nos acontecimentos e tudo o mais lhe
passou ao lado.
No FB:
5º Incidente: depois de verificarmos que o In retirara
reiniciamos o movimento e vamos encontrar a Companhia Para de
Almeida Martins com quem confraternizei, somos amigos e do mesmo
Curso, daí a maior alegria do encontro em tais circunstâncias.
Este facto reproduz a situação de quem ia na frente.
A partir da posição da Companhia Pára, a progressão a corta mato
tornou-se muito difícil, pois o terreno estava cheio de
espinheiros muito cerrados, que impediam a passagem das viaturas.
Decidi pois voltar à picada, tendo continuado o movimento apeado
pelos dois lados da mesma.
Segui de pé ao lado do condutor da Berliet que ia na frente.
Aquela posição permitia-me observar boa parte da zona em redor.
Assumia o risco de poder haver mais minas, mas já não estávamos
longe do quartel e eu não podia deixar os condutores sós em cima
da picada, como já anteriormente não deixara que os picadores
deixassem de sentir a minha presença junto a eles.
Infelizmente voltou a acontecer.
Passou a minha Berliet e uma outra.
Entretanto as viaturas da companhia do Ribeiro de Faria tinham
chegado à frente e o primeiro Unimog acabou por rebentar uma
mina.
O seu rodado mais estreito acertou na mina.
"...
Por simpatia explodiu também uma granada de lança roquetes o que
veio somar à morte do condutor, vários feridos com estilhaços,
entre os meus homens.
Mas este problema não ficou por aqui.
Logo de seguida, um milícia junto do sítio onde eu me encontrava,
pisou uma mina antipessoal ficando sem um pé e parte da perna.
Como estávamos perto de Guidage a evacuação tinha que ser feita
para aí. ..."
Por simpatia explodiu também uma granada de lança roquetes o que
veio somar à morte do condutor, vários feridos com estilhaços,
entre os meus homens.
Mas este problema não ficou por aqui.
Logo de seguida, um milícia junto do sítio onde eu me encontrava,
pisou uma mina antipessoal ficando sem um pé e parte da perna.
Como estávamos perto de Guidage a evacuação tinha que ser feita
para aí.
No FB:
6º Incidente: por impossibilidade de progressão a todo o terreno
resolvo voltar à picada pois não me pareceu viável que
pudéssemos abrir novo itinerário mesmo com a máquina.
Nesta situação passei a “viajar” na 1ª viatura (Berliet)
juntamente com o condutor.
O restante pessoal continuou apeado.
Atrás da minha viatura
vinha outra Berliet (só com o Condutor) e depois 2 Unimog.
Pouco depois desta movimentação o 1º Unimog accionou uma mina
que matou o respectivo condutor e feriu cerca de uma dezena de
militares da 38CC na altura verificamos que o rebentamento
aconteceu depois de passarem no local as duas Berliets ajuizando
por isso que o facto foi devido à diferente dimensão do rodado
do Unimog.
Como pode alguém ocultar estes factos? Na mesma ocasião 1
milícia do Olossato, integrado no nosso subagrupamento accionou
uma mina anti pessoal ficando com a perna amputada.
A coluna continuou depois de accionados os procedimentos
relativos a estes incidentes e atingimos a posição do
Destacamento de Fuzos, que estava muito perto do quartel.
Aqui ainda houve uma troca de tiros, tipo flagelação, que não
causou baixas, nem necessitou de qualquer medida especial para a
sua resolução, à parte a normal reacção das nossas tropas.
No FB:
7º Incidente: encontro com DFE e pequena emboscada resolvida
localmente.
A 38CC continuava na frente e assim continuou até
entrar em Guidage onde foi recebida à Porta de Armas, pelo
Coronel Tirocinado Comando Raul Socorro Folques e sendo saudados
por uma salva de morteirada enviada pelo PAIGC.
Entrámos finalmente dentro do aquartelamento de Guidage já perto
do final do dia.
Dia longo que tinha começado de madrugada em Binta e que ainda
não tinha terminado pois mal chegáramos e uma salva de morteiros
fez-nos voar para os poucos abrigos existentes.
No dia seguinte realizou-se uma coluna com a companhia do
Ribeiro de Faria e julgo que também com a Companhia do K3, do
Cap. Rodrigues que fez a evacuação do pessoal que restava em
Guidage, incluindo o Capitão Folques.
É fácil de verificar a importância da contribuição dada pela
38.ª C. Cmds, desde a preparação da coluna, com os meios
adicionais de engenharia e de munições de reserva, até ao
desempenho no desenrolar da acção, sempre na testa da coluna,
mesmo não lhe estando atribuído este posicionamento.
No FB:
Penso que estão assinalados alguns dos pontos que põem em
evidência a quem couberam as principais tarefas quer na
preparação quer na execução desta coluna de 29/30Maio 73.
Ainda há referencias a múltiplos ataques a Guidage, pura
fantasia, durante o período que lá passamos o que a minha
memória regista foi apenas uma flagelação de cerca de meia dúzia
de granadas, num dia à hora de almoço sem registo de qualquer
baixa da nossa parte.
Para terminar volto a referir a 38CC foi duas vezes a Guidage
tendo nas duas cumprido integralmente a Missão atribuída
possibilitando todas as acções previstas. Tal acarretou-lhe 1
Morto,(+ 1 solCond do CAOP1 ao serviço da 38ªCC) 2 feridos
graves e vários feridos ligeiros.
Que o Inimigo minimize estes factos está no seu papel, agora que
militares que vestem ou vestiram a mesma Farda que nós, esqueçam,
omitam ou deturpem os factos Vividos pela Companhia nestas
acções é triste, muito triste porque sofremos, demos o nosso
melhor pelo Nosso Exercito, pelo nosso Portugal.
No mínimo haja respeito pelas suas Famílias que sem pedirem nada
em troca se viram privadas da presença e conforto dos seus entes
queridos durante o período que estiveram na Guiné e nalguns
casos para toda a Eternidade…
Concluindo
Com a realização desta coluna a situação em Guidage acalmou, não
tendo, no tempo em que permaneci no teatro de operações da Guiné,
recebido notícias de que, nesta zona, tivessem surgido mais
problemas.
A companhia permaneceu cerca de 15 dias neste aquartelamento,
tendo regressando a Bissau e sendo depois incorporada no
Batalhão de Comandos sob o comando do Major Almeida Bruno, sendo
segundo comandante o Capitão Raul Folques que, pouco tempo
depois, com o fim da comissão daquele oficial, assumiu o seu
comando e foi graduado em major.
Depois destas descrições que podem ser testemunhadas pelas
entidades referenciadas poderá alguém dizer que nas escoltas a
Guidage também lá ia uma Companhia de Comandos? (5) Com um morto,
soldado Comando Raimundo (+ 1 cond do CAOP1), dois feridos
graves Furriel Ludgero Sequeira, cego na sequência da explosão
de uma mina que rebentou por accionamento da pica do respectivo
picador, é de referir a sua atitude que vendo o seu comandante
companhia e o adjunto deslocarem-se para o meio dos picadores e
até para frente não quis deixar de lhes proporcionar a protecção
que a sua equipa lhes podia dar.
Com tal atitude e por se encontrar no meio dos picadores, veio a
sofrer a consequências da explosão o que obrigou à sua evacuação
por terra, do local da explosão até Binta e daí por meios navais
até Bissau.
O caso do 1ºCabo Comando Tavares que tendo perdido parte do pé e
um dedo da mão aguentou durante vários dias à espera da
evacuação, revelando um estoicismo a todos os títulos
extraordinário indo mesmo ao ponto de animar os restantes
feridos que também aguardavam evacuação.
Pela não atempada evacuação acabou por perder a perna.
Finalmente quero salientar que a 38.ª Companhia de Comandos fez
duas escoltas a Guidage durante os duros tempos de Maio de 73.
Das duas vezes cumpriu a missão que lhe estava atribuída, isto
é, chegar com a coluna ao seu destino possibilitando
reabastecimentos, evacuações etc., quiçá se tal não tivesse
acontecido e as colunas tivessem sido desbaratadas e não
tivessem chegado ao seu destino, não teria havido tanta gente a
falar sobre o assunto.
Reitero os meus agradecimentos ao Coronel Bernardo por tomar a
honesta posição de nos ouvir e publicar o nosso depoimento.
Aqui estão reproduzidos excertos da minha prestação para o livro
do Coronel Bernardo (Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros) e
que teve por finalidade fazer justiça aqueles da Companhia
participaram nas colunas realizadas a Guidage e contribuíram com
o seu esforço, o seu sangue e mesmo a sua vida para que as duas
Missões fossem cumpridas.
Seguinte: Mensagem do Capitão Pinto Ferreira