TESTEMUNHOS
E CONTRIBUTOS
38ª Companhia de Comandos — "Os Leopardos"
Palavras de um Comandante
(INSTRUTORES , INSTRUENDOS,
PLANEAMENTO E INSTRUÇÃO)
Assim se cumpriu como estava planeado, ( no dia anterior de
manhã) o Capitão Trovão começara a escola de quadros. Agora, na
sala de reuniões da Direcção de Instrução, o Tenente Coronel
comandante do CIC preparava-se para falar ao corpo de
instrutores do Curso de comandos, que em breve se iria iniciar.
A sala era exígua, a custo aguentou com os quinze subalternos,
com o comandante de companhia e o Director de Instrução. Todos
rodeando a mesa rectangular que ocupava o centro da sala,
dispondo-se desde a única porta de entrada ao longo das três
paredes. Na outra posicionou-se o Comandante .
- Meus caros instrutores do XXX Curso de Comandos, em primeiro
lugar, os meus parabéns por terem sido distinguidos com a
possibilidade de ministrarem um Curso de Comandos. É uma honra
que nem todos podem aspirar. Fico contente por ver aqui reunidos
este escol de oficiais, alguns dos quais já deram provas em
combate do seu real valor.
Estou certo e pelo que conheço que os elementos que não tiveram
oportunidade de integrarem uma das Companhias de Comandos
existentes neste Teatro de Operações de Angola, também vão dar
boa conta de si. Por razões que entendem, nem todos os graduados
que acabam o Curso de Comandos podem de imediato assumir funções
nas unidades operacionais.
- Quis ter esta oportunidade de estar convosco pois, como deveis
calcular, uma coisa é estar na pele de instruendo, outra é ser
instrutor. As responsabilidades são muitas e eu, como Comandante,
desejo transmitir-vos nesta altura, alguns dos aspectos
fundamentais, que pautam o Curso de Comandos. Começarei por vos
dizer como e porquê surgiram os Comandos e depois passarei a
analisar as várias áreas que eu reputo como mais significativas
do curso. Se bem que não seja novidade para a maior parte de vós
os Comandos surgiram em Zemba em 1962, no então CI 21, passando
no ano seguinte para o CI16 na Quibala Norte, mais tarde extinto
e criado em seu lugar o CI25. Foi a fase dos Grupos de Comandos
que actuavam nas áreas dos batalhões de quadrícula de onde o
pessoal maioritariamente pertencia. Mas, a primeira instrução
que foi dada nestes moldes foi ministrada em Nóqui, no Batalhão
280 do Tenente Coronel Nave, com a ajuda do jornalista italiano
Dante Vachi. Com os conhecimentos recolhidos, veio a verificar-se
a vantagem de se constituírem, não os grupos de combate
individualizados mas sim companhias de Comandos, para actuarem à
ordem do Comando Chefe do TO. Assim, nasce a 29 de Junho de
1965, dia dos Comandos, o Centro de Instrução de Comandos, aqui
em Belo Horizonte junto à estrada de Catete. Neste local existia
um restaurante, o Belo Horizonte, que após os acontecimentos de
1961 foi abandonado pelos donos e mais tarde foi adquirido para
Quartel Militar. Ainda conheci militares que comeram aqui as
suas churrascadas. Vinham para estes lados à caça, e
aproveitavam para consolar o estômago e matar a sede, nas
instalações que são agora o nosso bar e messe.
- Mas continuando, inicialmente a actuação das companhias foi
individualizada. Com o evoluir do conflito e com a
disponibilidade das forças, foram iniciadas as operações a nível
de Agrupamento de Companhias. Pelo êxito que tiveram, cito os
Agrupamento Siroco, que anualmente tem vindo a dizimar as forças
inimigas que actuam no Leste da Província. Á medida que o
conflito emergiu, em Moçambique e na Guiné, foram constituídos
nesses Teatros de Operações, Centros de Instruções de Comandos ,
prioritariamente destinados ao levantamento das suas Unidades
Comando. De forma desinserida desta realidade, foram também
instruídas Companhias em Lamego no CIOE, completando a instrução
nos Teatros a que se destinavam. Esta é de forma simplificada, a
nossa História.
A audiência seguia de forma empolgada as palavras do Tenente
Coronel, mantendo uma posição firme e correcta.
- Certamente que não há dúvidas para ninguém de qual foi o
motivo porque surgiram os Comandos.
- Foi inegavelmente a incapacidade demonstrada pelas unidades
mobilizadas e instruídas na metrópole, em contacto com a
realidade do terreno, com a forma de actuação do inimigo e o
clima, que determinaram a necessidade da criação de forças
capazes de ultrapassarem as dificuldades que estas realidades
apresentavam. Assim é que o curso foi estruturado, tendo em
conta o terreno. Como sabeis desenrola-se em ambiente no qual de
forma progressiva se vai passando da improbabilidade de contacto
com o Inimigo, passando para uma probabilidade crescente, até à
procura desse contacto que como sabeis se processa na última
fase do Curso - a fase Operacional. Também se olha para o
terreno procurando vê-lo como um aliado e não um obstáculo.
Procura-se que o instruendo se sinta no mato como o guerrilheiro
que lá nasceu e se criou. Os trilhos não devem ter segredos, os
sinais na floresta devem ser entendidos e interpretados como
fazemos e compreendemos com as ruas e avenidas das nossas
cidades quer de dia, quer de noite. Além disso, temos que saber
sobreviver, orientarmo-nos isoladamente, em equipa ou em grupo.
A forma de actuação do inimigo foi estudada, de molde que a
nossa reacção seja automatizada. Materializam-se no treino
condições muito próximas do real, tão próximas quanto possível,
treinando-se as reacções que em cada modo de actuação são
efectivamente as mais adequadas. Por último o clima. As tropas,
vindas da metrópole, vêm totalmente desambientadas à realização
de esforços físicos neste clima tropical. Como sabeis, a falta
de capacidade física retira capacidade de reacção, levando-nos
em combate, a cometer erros que o inimigo, normalmente, sabe
aproveitar. Por isso, a instrução de educação física está
planeada para que, quem chegue ao fim, tenha a capacidade devida
para que em frente do inimigo possa efectivamente vencer, não
falhando. Para terminar este enquadramento, falta falar de outra
parte importante que é a componente de acção psicológica que,
desde o primeiro minuto até ao momento da entrega dos crachás, é
permanente. Vereis, ao longo do curso, os instruendos passarem
por várias fases de motivação: primeiro motivados mas receosos,
com o pico mais baixo logo a seguir à prova da sede; depois aos
poucos a motivação deverá subir, tendo já uma boa expressão
depois da prova de fogo. Daí para a frente até ao final, de uma
maneira geral, será um crescendo que, no dia da cerimónia final,
se reflectirá por todos os instruendos estarem altamente
motivados para defrontar o inimigo e vencê-lo.
- Vou continuar agora falando-vos das matérias do curso, da
maneira como elas são conjugadas umas com as outras e o que se
pretende que no final se atinja. Sabeis que a finalidade
principal não é fazer comandos individualmente, mas sim fazer
unidades combatentes. Como o processo é complicado por forças
dos vários factores que nele intervêm chegamos na maioria das
vezes ao final com pessoal agrupado numa ou mais unidades de
combate e pessoal que terminou o curso com aptidão mas de uma
forma isolada. Mas já lá iremos. O curso está dividido em quatro
fases: a primeira é a fase individual, nesta procura-se que
todos os instruendos atinjam a perfeição técnica como
combatentes individuais. Nela há várias situações que quero
realçar. A primeira é a prova da sede que é a primeira saída de
instrução. O objectivo fundamental desta sub fase é levar os
instruendos ao mais baixo nível psicológico, obtido através de
uma carga horária muito intensa em termos físicos, a alimentação
à base de ração de combate e, normalmente, apenas um cantil de
água por dia. A permanência nesta situação é ditada não apenas
pelo horário mas fundamentalmente, por indicadores que nos
revelem que o estado que se quer atingir foi alcançado. Depois,
é o regresso ao Centro decorrendo a instrução aqui ou nos
arredores, preparando-se a que se convencionou chamar
efectivamente a primeira saída, já que a prova da sede não é
conhecida como saída mas sim como prova da sede. Em princípio
esta saída será para a Mussenga, local já vosso conhecido. A
prova de fogo que marca o final da fase individual, será no
local habitual junto das minas de Mombaça. De seguida
regressaremos ao Centro iniciando-se a fase de equipa. Nela,
procura-se integrar o combatente na unidade fundamental da luta
contra-guerrilha, a Equipa. Constituída por cinco elementos foi
estudada para, em contra ponto com a secção de atiradores
convencional, responder às necessidades de comando e controlo,
que este tipo de luta implica. No período dedicado a esta fase,
além da instrução técnica ministrada estará em causa a
constituição das próprias equipas. Para isso, os instruendos
rodam entre si dentro das equipas para que se vão conhecendo e,
mais tarde, respondam aos questionários sociométricos. Até à
segunda “saída” utilizaremos a zona da Funda para as instruções
que privilegiem a técnica de combate, aproveitando os intervalos
para dar as chamadas instruções complementares. O final da fase
de equipa termina com a prova de equipas feita junto à Pedra
Verde. Entramos em seguida na fase de grupo, já com os
instruendos graduados a assumirem cada vez mais essas funções
nos grupos de praças. A saída de instrução desta fase será em
Freitas Morna. Por último a fase operacional, como sabeis a “prova
dos nove “ do curso deverá ser feita no leste integrando esta
companhia o Agrupamento “Siroco” que como vem sendo hábito já há
três anos, mais uma vez varrerá o Leste procurando desarticular
o que ainda resta das organizações inimigas.
- O curso é um todo coerente, no qual todas as matérias e
actividades concorrem para o mesmo fim. As actividades
desenvolvidas são permanentemente controladas e é através destes
quadros que estão nas paredes atrás de vós que se faz esse
controlo.
- Assim, este quadro aqui que tem este pêndulo é o quadro
principal de controlo. Horizontalmente, estão assinalados os
cerca de cento e vinte dias do curso. Verticalmente e à esquerda,
estão assinaladas nestas linhas as várias matérias/actividades
que o curso comporta. Todos os dias o pêndulo avança um dia e,
como podem ver sempre que há accionamentos a fazer, há uma
indicação no cruzamento da linha das matérias com a coluna do
dia, o que nos leva a accionar um acontecimento que está
totalmente descrito nestes envelopes que estão distribuídos
nestes sacos, um por cada matéria ou actividade. Neste outro
quadro compilamos os dados obtidos nas várias áreas em que se
distribui a educação física e, através da análise do mesmo,
sabemos se os níveis de capacidade física estão dentro da
normalidade. Cada vez que reparamos que, face aos testes que são
regularmente lançados e à restante actividade física que por
exemplo os resultados aconselham maior actividade para aquisição
de força de braços .....
- Neste outro temos outra área muito importante aliás que reputo
de fundamental, o quadro dos lançamentos sociométricos. Como já
anteriormente referi, o curso não visa formar combatentes
individuais mas sim unidades combatentes. Essas unidades neste
caso companhias tem por base a equipa. E o que é uma Companhia
de Comandos? Não é um conjunto de Comandos são sim vários
conjuntos de equipas agrupadas em grupos de combate. A seu tempo
falar-vos –ei de como se fazem os lançamentos nestes quadros, e
se determinam a constituição das equipas a partir daqueles
questionários que regularmente preenchíeis no vosso curso. Neste
outro fazemos o controlo da acção psicológica; através dele
verificamos a recepção que as várias mensagens de acção
psicológica são recebidas pelos instruendos. Também é uma faceta
muito importante do curso. Não podemos ter comandos sem termos
pessoal motivado para combater. A seu tempo vereis que a acção
psicológica está presente em cada actividade do curso. Não se
limita aos cartazes que acompanham a instrução aqui, no Centro
ou no mato. Nem às “vozes do Comando” transmitidas pelos
altifalantes a qualquer hora, principalmente quando comemos. Nem
aos panfletos que aparecem em cima da cama, ou no local da
instrução. Há acção psicológica na forma como nos fardamos, como
executamos as nossas formaturas, como conduzimos a instrução.
Vemos sempre motivo para que o instruendo se habitue a vencer o
cansaço, a sede, a natural indolência, etc.
A reunião ainda continuou por bastante tempo, procurando o
Comandante transmitir numa tarde, todos os “porquês” que um
Curso de Comandos comporta. O comandante de companhia e os
instrutores procuraram, durante a escola de quadros que se
prolongou pelas duas semanas seguintes, não se esquecerem e
aplicarem tudo o que de forma tão completa e entusiástica o
Comandante lhes tinha transmitido. Era com esse espirito que
agora nesta coluna num sábado, quase Domingo, deixando Luanda
para trás a caminho do Ucua, para a prova da sede, se iniciava
mais um Curso de Comandos, o XXX.
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