OPERAÇÕES DA 38ª COMPANHIA DE COMANDOS
OPERAÇÃO JAMANTA
38ª COMPANHIA DE COMANDOS
20 e 21 Novembro de 1972 -
Operação
Jamanta
Relato feito a partir das
memórias do Capitão Comando Pinto Ferreira
A data de 5 Novembro 72 refere como o fim da permanência de
grupos da 38CC em Gampará e a concentração de toda a companhia
em Teixeira Pinto.
Em 6 Novembro 73 é a data referida como da
primeira acção feita pela companhia nesta nova zona.
Desta data até 20 Novembro, os grupos da companhia,
individualmente ou ao nível bigrupo vão fazer patrulhamentos
ofensivos (que eu em sistema rotativo acompanhava ou comandava)
nas zonas em redor da área Coboiana Churo, área bem delimitada
pelo Rio Cacheu e seus braços, com uma configuração de mão
aberta, com os dedos a apontar o norte e onde cada dedo era uma
península.
Calculava-se que em cada dedo, o inimigo tinha implantado uma
organização militar.
O período de tempo até esta altura serviu para nos adaptarmos à
região e como atrás disse graças aos esforços da 35CC eram zonas
onde não era provável o contacto com forças inimigas.
Mas na zona da Coboiana era muito improvável não dar de caras
com o inimigo tal a densidade das suas unidades espalhadas por
uma área tão pequena. Em 20 de Novembro 72 coube-nos pela
primeira vez penetrar nesta celebre zona, de que já ouvira falar
na revista Noticia de Angola, numa reportagem de Fernando
Farinha, jornalista que em 69/71/ tinha acompanhado operações
dos Comandos em Angola e mais tarde decidira ir provar o sal da
Guiné.
O destino foi a região do Jopá, salvo erro o quinto dedo a
contar do oeste.
Presumia-se que na base do dedo (a Sul) existiria uma
organização inimiga com cerca de 15 elementos apoiada em
população. Quero aqui acrescentar que era entendimento dos
serviços de informações que a penetração e manutenção de
unidades de guerrilha nesta zona da Guiné, revestia-se de grande
dificuldade comparativamente com outras zonas do TO.
Factores como o terreno e a fraca densidade populacional fazia
com que a área para o inimigo fosse uma espécie de sótão, onde
chegava com dificuldade não só pelos obstáculos naturais, caso
do rio Cacheu a norte, a que acrescia a difícil transição para
terreno firme para quem tinha de atravessar os mangais sempre de
difícil penetração e o facto das zonas a sul e a este, estarem
balizadas por posições Portuguesas que mais ou menos controlavam
os trajectos para o interior da região.
No lado oeste o facto de haver a estrada asfaltada Bula,
Teixeira Pinto, Cacheu, como que estabelecia uma fronteira com
zonas que poderíamos considerar sob nosso controlo o que não
facilitava nada as intenções do inimigo de manter acções de
guerrilha no chamado Chão Manjaco. No entanto o inimigo era
perseverante e apesar de todas as limitações fazia por
ultrapassar as dificuldades existentes, mantendo com muito
esforço, efectivos que mal pudessem, espalhariam para as zonas
adjacentes numa lógica de expansão da guerrilha pelo maior
número de áreas possíveis. As forças portuguesas numa lógica
contrária tentavam impedir esta expansão e que a expulsão do
inimigo de zonas como o Balenguerez e o Pijame eram exemplo.
Também nesta região tinha acontecido o celebre caso dos Majores
traiçoeiramente assassinados, e se o desfecho tem sido outro
quiçá estivéssemos a viver agora outra realidade e as populações
da Guiné tivessem direito a um futuro de progresso, com mais
desenvolvimento e dignidade, como a propaganda veiculada pelo
PAIGC lhes prometia durante os anos de luta e que nós
recolhíamos nos panfletos, falando-se de hospitais, de escolas,
de recursos que mesmo à distancia sabemos estarem longe de
existir passados que já lá vão mais de 40 anos.
A memória colectiva, global, já se esqueceu, mas nós que
passamos os anos melhores da nossa juventude, vendo cair ao
nosso lado na lama do tarrafo, os nossos imortais companheiros
que jamais esqueceremos, temos que condenar a história que não
cumpriu promessas em favor das quais europeus e africanos
apostaram em acreditar, não importa o lado em que se encontravam.
Estávamos pois bem cientes do que nos esperavam as próximas 24
horas quando em 20 de Novembro, iniciamos a operação ”Jamanta”.
Com 3 grupos de combate saímos de Teixeira Pinto em viatura para
nos deslocarmos até ao Bachile, aldeamento (povoação?) de onde
sairíamos em marcha apeada em direcção ao Jopá.
O Bachile funcionava como uma porta guardada para acesso
terrestre à zona da Coboiana e ficava mais ou menos a sudoeste
desta.
O destacamento propriamente dito era constituído por uma
Companhia de caçadores africana (CCaç 15?).
Como porta tinha um
aloquete constituído por um campo de minas semeado no único
istmo que dava acesso ao interior da região.
A viagem começou por um percurso de cerca de 2 horas
acompanhados pelo alferes sapador da companhia e escolta.
"...
A sua
missão principal foi abrir o campo de minas para que pudéssemos
passar e fechá-lo assim que a passagem fosse efectuada...."
A sua
missão principal foi abrir o campo de minas para que pudéssemos
passar e fechá-lo assim que a passagem fosse efectuada.
Enquanto esta situação era desenvolvida aproveitamos para
descansar e para comer pois com duas horas de caminhada em cima
sabia bem descansar as pernas e consumir calorias para o
desgaste que já tínhamos e para o que se seguiria.
Depois de uma boa hora o alferes veio ter comigo dizendo-me que
estava tudo pronto para que pudéssemos atravessar a zona em
segurança. Acabou-se a “sorna” e a longa fila de quase 70 homens
começou a deslocar-se rumo ao desconhecido.
Com os meios que tínhamos: o fotomapa 1/100 mil e a bússola,
sendo o terreno plano sem referências para traçar azimutes, não
tínhamos grandes chances para fazer uma navegação precisa.
Navegando segundo um azimute que se genericamente se dirigia
para Este, de modo a cruzarmos toda a palma da mão e na altura
apropriada virar para Norte com a esperança de que a contagem
dos passos fosse correcta e nos desse a distancia para que nos
situássemos no ponto de viragem para a península de Jopá.
A região percorrida era de escassa vegetação, com árvores
isoladas, algum capim e nalguns sítios pequenas matas, podendo
dizer-se que era de fácil progressão mas como era zona de
contacto iminente progredíamos com as condicionantes inerentes,
aproveitando o terreno tentando fugir da possível observação
inimiga e muito importante parando frequentemente para “ouvir”
norma muito utilizada nos comandos quando sabem que a diferença
em caçar ou ser caçado está na forma como nos deslocamos.
A progressão continuou e pelos meus cálculos vi que o melhor era
guardar para o dia seguinte a entrada na zona alvo pois o fim do
dia aproximava-se e não era a melhor altura para ter encontros
com inimigo principalmente se estávamos fora de local por nós
controlado.
Fizemos o inevitável “grande alto”, cada um aproveitou para “jantar”
e preparar as coisas para passar a noite.
Quando a noite caiu reiniciamos o deslocamento tentando nessas
circunstâncias progredir ainda um bom bocado.
A noite estava escura e o barulho feito pela deslocação obrigou-me
a interromper o deslocamento.
A falta de visores nocturnos era mesmo uma realidade e nesta
circunstâncias ou arriscávamos a percorrer um trilho, que no
local era inexistente, com as complicações que tal poderia
produzir (minas, armadilhas ou emboscadas) ou então tínhamos que
ficar parados só arriscando progredir naquilo que chamamos de “passo
fantasma” e que apenas costumávamos utilizar para mudarmos de
local, evitando uma possível identificação pelo inimigo do sitio
onde nos encontrávamos.
Acabamos por até ao romper da alva ficar num local onde não
fomos incomodados.
Durante a noite alguém perto de mim tossia e parecia ter febre.
Recordo o ter cedido a minha rede de pescoço (espécie de
cachecol em rede camuflado) para que tivesse algum conforto.
Nessa altura nas noites de mato da Guiné transportava na parte
de trás do cinturão uma manta preta que tinha comprado numa loja
local.
Também estava protegido pelas luvas que trouxera das férias e
pelo passa montanhas que me dava um ar de Comando da 2ª Guerra.
O maqueiro acabou por distribuir umas pastilhas e os brônquios
foram-se calando.
Antes de amanhecer aprontamo-nos para reiniciar o deslocamento,
o que fazíamos às escuras guardando os artigos que nos tinham
servido para passar a noite mas que agora seriam incómodos na
marcha.
Era um ritual que cumpríamos em silêncio, sentados ou de joelhos
íamos tirando e arrumando os agasalhos que nos tinham preservado
do frio e da humidade nocturna.
Ao lado a nossa arma pessoal pronta a ser empunhada ao mínimo
sinal de companhia incómoda.
Os que puderam e quiseram beberam a sua lata de chocolate e
comeram a sua bucha de pão pois sempre se anda melhor com o
estômago aconchegado.
Os primeiros raios de sol permitiram-me consultar os meus
apontamentos e fazer novos registos e verificar qual a direcção
a seguir.
Por gestos mandei chamar os comandantes de grupo para lhes dar a
conhecer as minhas intenções e qual a minha percepção da
situação.
A visibilidade ainda era reduzida quando iniciamos a marcha.
Seguimos serenamente por entre aquela vegetação escassa
conduzindo os nossos passos para nascente, ouvindo o despertar
nas florestas que nos rodeavam e assim o fizemos por cerca de
duas horas.
Aí apareceu uma mata mais densa e que depois de
ultrapassada na sua curta extensão nos revelou uma bolanha que
se abria para Sul da nossa posição.
Consultando a carta foi
fácil deduzir que tínhamos inflectido demasiado para sul o que
nos colocava no limite da “palma da mão” e afastados da base do
dedo que queríamos atingir.
Voltamos para Norte e tomamos um azimute que nos aproximasse da
zona do Jopá.
Por essa altura fomos sobrevoados por um DO onde ia o nosso
Comandante Operacional.
Pelas experiências anteriores de que já dei relato não me
agradava a ideia de ter em cima de mim esse indicador da nossa
posição junto do inimigo. Felizmente a pessoa que ia no PCV era
um Comandante que sabia o que fazia, mais tarde falarei desta
extraordinária personagem, falecida no princípio de 2010, que a
todos pela sua conduta corajosa soube sempre impressionar.
Numa
curta troca de palavras relatei-lhe o que se passava dando conta
do engano e da dificuldade de navegar e ele numa resposta
sucinta continuou o voo dando-me com a trajectória o azimute
adequado.
Continuamos pois a marcha, parando para “ouvir” até que numa
dessas paragens entendemos que alguém à nossa frente cortava
paus com uma catana.
Para nós significava que alguém trabalhava
numa lavra ou perto.
Lavra era sinónimo de gente, gente,
população, população, guerrilheiros, então estávamos perto.
Como um muro a nossa frente deparou-se-nos uma mata cerrada que
abordamos com os cuidados habituais.
Seguia em primeiro lugar
tentando observar o mais profundamente possível com os olhos e
ouvidos atentos ao mais pequeno sinal.
A dada altura pareceu-me ouvir vozes o que confirmei pouco
depois.
Logo atrás de mim a primeira equipa de um grupo que como os
restantes elementos se deslocava em “ bicha de pirilau”.
Sem se notar a mata terminava dando lugar a um enorme largo, uma
extensa lavra de milho onde no meio pontificava um enorme poilão.
Á medida que os elementos da equipa foram chegando á frente,
mandei dispô-los em linha ainda dentro da mata, uns à minha
direita e os outros à esquerda.
Com extremo cuidado atingimos a
orla da mata e cautelosamente entramos na lavra, de silhueta
flectida, parando, procurando encobrir-nos pelas magras canas de
milho, semeadas espaçadamente e que se plantavam diante de nós.
Ao meu lado um trilho batido, vindo directamente do sítio do
poilão.
Agachados, imóveis como estátuas nas Ramblas de Barcelona
aguardamos enquanto eu tentava observar o que se passava junto
do poilão.
Apesar do milho ser ralo o terreno fazia uma ligeira dobra o que
me dificultava a visão.
"...
Eis senão quando, vindo pelo trilho acima, um “puto” descalço,
em calções caminhava mesmo na minha direcção...."
Eis senão quando, vindo pelo trilho acima, um “puto” descalço,
em calções caminhava mesmo na minha direcção.
Eu imóvel de joelho em terra, arma apontada, procurando esconder-me
atrás de um magro caniço.
E o puto, caminhava, não me via, iria entretido em ver o chão
que percorria.
Só parou ou melhor, estacou quando algo inusual
lhe apareceu debaixo do nariz, a ponta do cano da minha G-3 e o estacar terminou.
E meia volta pelo trilho abaixo e eu atrás dele dizendo “pára
Juve, pára Juve” mas ele não me ouvia e mais corria.
Naquele tempo, eu era lesto, mas as botas, os cantis de água, o
equipamento, sei lá tudo serve desculpa para não conseguir
agarrá-lo.
Entretanto os elementos da equipa vendo a minha reacção correram
em linha pelo meio da lavara procurando acompanhar o meu
movimento atrás do miúdo.
Tal estardalhaço chamou a atenção de quem estava debaixo do
poilão certamente abrigando-se do Sol do meio-dia que inclemente
dardejava quem se atrevia a enfrentá-lo aquela hora.
"...
Uma longa rajada de pistola-metralhadora ecoou na lavra enquanto
um vulto desaparecia na mata que continuava em frente, aliás ao
redor de toda a lavra...."
Uma longa rajada de pistola-metralhadora ecoou na lavra enquanto
um vulto desaparecia na mata que continuava em frente, aliás ao
redor de toda a lavra.
Esfalfados chegamos ao poilão onde estavam quatro mulheres que
de imediato mostraram o seu espanto e medo por nos verem surgir
e pela estranha aparição do miúdo que à minha frente não parou e
sempre em corrida dirigiu-se para a mata.
Entretanto as restantes equipas do grupo tinham chegado à frente,
verificando eu que no momento tinha um grupo dentro da lavra, o
seguinte presumivelmente na mata que a rodeava e o 3º fora da
mata e provavelmente alheio ao que se estava a passar.
Controlar tanta gente é difícil e era preciso agir sob pena de o
inimigo alertado pela rajada e pelos fugitivos não tardaria a
dar conta de si.
Tentei sempre manobrar de forma, a que no mínimo não fosse
apanhado numa posição desvantajosa e na circunstância ter parte
das forças dentro da lavra era mau, muito mau mesmo pois éramos
uns perfeitos alvos para quem na orla da mata quisesse ter o
trabalho de apontar ou mesmo de fora dessa zona caso fossem
possuidores de armas de tiro curvo.
De imediato dei ordem de meia volta em direcção ao local de onde
vínhamos e que as 4 mulheres seguissem connosco.
Depois de uma momentânea confusão, comigo à frente a “bicha de
pirilau” reentrou na mata e por aí seguimos com a direcção norte
pois era nessa direcção que se encontraria o nosso objectivo.
Porém a progressão na mata era muito difícil atrasando
desnecessariamente a nossa saída da zona.
Mais à frente encontramos um trilho, bastante batido, tipo
avenida, provavelmente o mesmo que vinha da lavra, e decidi, que
sendo necessária rapidez para que atingíssemos uma posição
favorável, percorrer algum espaço no trilho e logo que as
condições de terreno fossem melhores, saltar do trilho e
prosseguir a todo o terreno situação que complicaria ao inimigo
pois não poderia equacionar a montagem de uma emboscada.
Quando indiquei ao pessoal que me seguia o que pretendia fazer,
logo dois dos chefes de equipa e o comandante de grupo, me
alertaram para a perigosidade da acção que íamos iniciar e que
melhor era continuarmos a corta mato.
Estávamos nesta conversa e enquanto eu aproveitava para abalizar
o trilho tentando ver para onde ia e parecia-me até haver ali
perto um cruzamento quando vejo lá no fundo, num dos lados de
onde vinha o trilho os vultos de vários guerrilheiros que quase
a correr viriam dali a instantes chocar connosco.
ó tive tempo de fazer sinal ao pessoal que estava junto de mim
que o inimigo já ali vinha, por sorte havia um grande baga- baga,
á minha direita, local aproveitado para se abrigarem e tomarem
posição de combate o que imediatamente ia acontecer.
Eu fiquei em cima do trilho, numa curva, em posição de joelho em
terra e arma apontada.
À minha frente tinha cinco a seis metros de trilho findos os
quais desaparecia atrás de uma árvore, tomando depois a direcção
de onde eu tinha visto vir os guerrilheiros a aproximarem-se.
Subitamente de trás da árvore e direito a mim aparece o
guerrilheiro que vinha em primeiro lugar, arfava como uma pacaça,
pela velocidade que impelia ao deslocamento.
Nada o parecia importar senão o alcançar os “Tugas” que tinham
ousado entrar na lavra e “raptar” as mulheres que agora estavam
connosco.
Tal afã foi-lhe fatal.
"...
Com mais calma do que quando senti numa caçada em Angola, uma
pacaça a querer subir para o Unimog onde me encontrava, apontei
cuidadosamente ao centro do peito e disparei… daí para frente o
som, a poeira fez-me disparar o resto das munições do carregador
para as zonas onde sabia os restantes elementos inimigos...."
Com mais calma do que quando senti numa caçada em Angola, uma
pacaça a querer subir para o Unimog onde me encontrava, apontei
cuidadosamente ao centro do peito e disparei… daí para frente o
som, a poeira fez-me disparar o resto das munições do carregador
para as zonas onde sabia os restantes elementos inimigos.
Atento ao que se passara em Angola com a morte do Alferes
Comando Afonso Henriques preparei as granadas de mão ofensivas
para serem lançadas enquanto trocava o carregador da G-3.
O estouro das duas granadas veio pôr um pouco de ordem neste
destilar de adrenalina.
Ainda dei mais alguns tiros mas logo me apercebi que o inimigo
emudecera.
Mais tarde houve quem julgasse que o rebentamento das duas
granadas tinha sido duas rocketadas que o inimigo lançara contra
nós.
O combate acabara.
O silêncio imperava agora na mata à nossa volta.
No chão à minha frente no meio do trilho o primeiro guerrilheiro
que caíra com o meu primeiro disparo.
Mais adiante outros guerrilheiros estavam também estendidos.
Espalhadas pelo trilho, 3 espingardas Kalashnikov, varias
granadas de RPG e mais material.
Rastos de sangue dirigiam-se para o lado de onde tinham vindo os
guerrilheiros.
"...
Estávamos numa espécie de descompressão que se seguiu aos
momentos de extrema tensão que tínhamos acabado de passar quando
fomos abalados pela informação vinda da retaguarda da coluna de
que tínhamos dois mortos e um ferido...."
Estávamos numa espécie de descompressão que se seguiu aos
momentos de extrema tensão que tínhamos acabado de passar quando
fomos abalados pela informação vinda da retaguarda da coluna de
que tínhamos dois mortos e um ferido.
Os combates a curta distância podem ter destes desfechos.
Num lado surpreendemos o inimigo e alguns metros à frente ou
atrás somos nós os surpreendidos.
O facto afectou-nos a todos.
Dirigi-me ao final da coluna e deparei com uma imagem que
visualizo pela vida fora.
Estendidos no chão lado a lado jaziam o furriel Pignatelli
Fabião e o soldado Costa Chaves.
Qualquer deles tinha o que parecia ser um insignificante
ferimento.
Um tinha um leve corte no pescoço ao nível das carótidas e no
outro a bala raspara na cabeça na zona parietal.
Furriel CMD
Artur Jorge Pignatelli Fabião
Soldado CMD
Mário Branco da Costa Chaves
Caíram de armas na mão o Furriel Artur Jorge Pignatelli Fabião,
líder natural dos sargentos operacionais da companhia, 1º
classificado do Curso de Comandos e o soldado Mário Branco da
Costa Chaves.
Também foi atingido de forma milagrosa o Furriel Vareta pois uma
bala penetrou-lhe no ante braço junto ao punho e saiu-lhe pelo
cotovelo aparentemente sem lhe causar grande dano.
A sua acção foi reconhecida pela referencia elogiosa enviada á
companhia num dos dias seguintes
A sua memória perdura nos nossos corações.
Tinha pois em mãos um problema a resolver.
Normalmente não era autorizado evacuar mortos por heli.
Mas há casos e casos.
Acontece que esta operação terminava por extracção por heli.
Depois de alguma contestação ao rádio lá consegui convencer quem
estava do outro lado de que a evacuação dos mortos tinha que
acontecer com a do ferido e uma das prisioneiras que não fugira.
Tendo resolvido o problema da evacuação através da via aérea era
no entanto necessário remover os mortos do local, (mata fechada),
para sítio onde os helis pudessem aterrar com segurança.
Á minha volta reinava uma certa forma de estupor.
Verificando eu que ninguém se preparava para cumprir tão difícil
tarefa não tive outra hipótese senão de me preparar para deitar
mão ao corpo do Fabião que era dos mais altos ou mesmo o mais
alto da companhia e a dorso transportá-lo para o local que ainda
tinha que descortinar.
Nesse momento surgiu uma figura de cuja personalidade
infelizmente falarei mais adiante, o 1º cabo Simão, que vendo os
meus preparos me disse: meuuu capitaão eu levo-o.
Disto isto dobrou-se e carregou nas suas costas o furriel Fabião
no que foi acompanhado doutro militar que carregou o soldado
Chaves.
Depois de um trajecto para Norte foi possível atingir uma zona
onde se fez a evacuação.
Mais tarde por decisão do comando da operação foi também
decidido extrair a companhia considerando-se que os objectivos
previstos tinham sido atingidos.
Já depois do fim da guerra foi-me contado que os guerrilheiros
ficaram admirados como é que não tínhamos ido ao assalto do
acampamento localizado na direcção da fuga (algo que não
sabíamos pois a informação que tínhamos era que se localizava a
Norte do local onde nos encontrávamos) e onde muitos
guerrilheiros jaziam feridos.
São informações que na altura não temos e quando se tem mortos e
feridos a cuidar, a prioridade vai toda para eles. Já na altura
soubemos que neste acampamento do Jopá tinha sido reforçado com
1 bigrupo e não tinha apenas os 15 elementos que a secreta nos
indicara.
Em meados do ano 2000 a companhia reuniu-se em Seia, local onde
está sepultado o Furriel Fabião.
Junto ao jazigo e na presença da Mãe tive ocasião de recordar
alguns destes factos e assistir de forma emocionada à colocação
em cima da urna, do Crachá que Fabião usava quando faleceu.
Foi esta entrega feita pelo Furriel da mesma terra e Grupo e
organizador deste encontro(Veterano Silva).
Por palavras simples dirigiu-se dizendo que tinha recolhido o
símbolo na altura dos acontecimentos e que tinha prometido um
dia nesta circunstância entregá-lo ao legítimo dono. Aqui
recordo estes momentos antes que a borracha do tempo apague ou
distorça na minha memória tais factos …