Elisabete Gonçalves
Amiga e testemunha da
38ª Companhia de Comandos
TEXTOS DA
ELISABETE PARA A 38ª COMPANHIA DE COMANDOS
“Em combate, a Morte sanciona cada falta.”
Durante o
tempo que permaneceram na Guiné, nunca os homens da 38ªCCMDS
facilitaram nos procedimentos de segurança. Das poucas vezes que
alguém, por motivos que a esta distância temporal são difíceis
de apurar, prevaricou na “velha máxima”....pagaram em sangue por
isso.
(Como daquela vez na OP “Jogada
XIII” na mata do Changalene, idos de Março de 73, em que quem
conduzia a O.P. resolveu regressar até ao ponto de recolha pelo
mesmo trilho de ida, procedimento que mandava a cautela nunca
fazer! Por vezes, o azar procura-se e daquela vez estava
escondido no velho tronco que cruzava o trilho, que já tinham
pulado na ida, vencendo o obstáculo. O homem que ia à frente (chefe
das Milícias do “Cussaná”), que os tinha conduzido noite dentro
pela bolanha paralela à estrada de Mansoa-Cutia, culminando na
captura de duas armas, pagou a bravura com a amputação do pé e
parte da perna, com uma maldita, mas “quase previsível”, anti-pessoal
escondida no chão do trilho.)
A cada saída, mesmo com o tempo de comissão a chegar ao fim, o
ritual de inspecção mantinha-se. Os oficiais comandantes
inspeccionavam-se entre si, passavam revista aos Sargentos e
estes, aos praças. Todos os objectos brilhantes eram retirados (
...e quem teimava em levar relógio, aprendeu a escondê-lo no
cano de uma peúga cortada à altura do pé e sempre preta, que
enfiava pulso acima), cantil cheio (apenas com menos água em
detrimento de mais peso em munições) e armas minuciosamente
limpas e municiadas, dólmen fechado e mangas apertadas até baixo,
ausência de galões ou divisas que indicassem o posto, “saltinhos
de canguru” para acusar se algo chocalhava ou tilintava, quico
enterrado e preso no dólmen, a mesma aparência que despistasse a
identificação de quem quer que fosse (são famosos os bigodes “à
la 38”), coadjuvada na preciosa camuflagem negra que pode dar
uma rolha de cortiça queimada em chama alta, no resto do rosto
que a barba não cobre. As trocas de lugar na famosa “bicha de
pirilau” eram constantes, para que não fosse dado adquirido que
o chefe de grupo era o 3º homem, nunca se dormir no mesmo sítio
onde se fazia um grande (ou pequeno) “alto” e nunca em círculo,
saber a sinalética convencionada treinada até à exaustão e
sempre, sempre, sempre...a posição dos camaradas.
Quando a deslocação se fazia nos hélis, obedeciam a regras
apertadas e sempre cumpridas, até no lugar que ocupariam, e mais
ainda na largada.
Quando converso com eles, todos eles, têm ainda hoje a firme
certeza que o cumprimento rigoroso de segurança, lhes salvou
muitas vezes o “pêlo”, pois seriam muito mais que 11 os que por
lá ficaram com a “alma no capim”, de tanta vez que esta
Companhia caiu debaixo de fogo e teve contacto com o inimigo,
enganado a estatística com cautela redobrada e minúcia de
procedimento.
A outros tantos, que pela juventude e irreverência, o não
fizeram, deliberadamente ou ingenuamente, e que hoje estão entre
nós para o poder contar, quero crer que foi a Fortuna a protegê-los
e quem sabe, talvez por uma “nesga”, quer de tempo quer de lugar,
não foi ali marcada pelo Destino...a sua jovem, é certo, mas
derradeira hora.
(A música do link acima é de James Blunt, também ele ex-capitão
do exército britânico e que serviu no Kosovo em 1999. Fez
missões de reconhecimento para lá das linhas sérvias, segurança
ao aeroporto de Pristina, onde foi dos primeiros militares a
entrar e onde escreveu várias músicas que se tornaram êxitos
mundiais.)
(Foto: 38ªCCMDS, revista de segurança antes uma O.P., Teixeira
Pinto/Guiné-Bissau, Dezembro de 72)