Emblema da
38ª Companhia de Comandos
"Os Leopardos"


TESTEMUNHOS E CONTRIBUTOS

38ª Companhia de Comandos — "Os Leopardos"

 

Curso de Comandos - A Fase Individual (Continuação)
(in ''memórias do CAP INF CMD Victor Pinto Ferreira)

 

A célebre categorização. A instrução estava perfeitamente organizada em termos de burocracia e era nos pequenos pormenores que o instruendo mais atento verificava como tudo funcionava. Sentados no chão com as pernas à “chinês” e a coronha da G-3 a servir de tampo de escrever, cada um de nós recebeu uma pequena tira de papel impressa misto de talão de totobola em que colunas verticais numeradas de 1 a 10 e cortadas por 5 linhas horizontais que definiam pequenos quadrados que deveríamos preencher com o numero de cada instruendo do grupo sendo obrigatória a inclusão de dois números na categorização mais alta (10) e 3 na categorização mais baixa (1).

Distribuídos os talões o Alferes Esteves deu rapidamente as instruções para o preenchimento e cada um de nós viu-se na problemática decisão de ter que apontar o futuro de camaradas e amigos algo que pelas mais variadas razões ninguém estava a espera.

- Olá lá, cet moi qui va destiner le future de mes amis? Ressuou a voz do “ Francês” meio irritado com a circunstância de se ver como avaliador dos companheiros que o vinham ajudando na sempre difícil integração num mundo novo e de também por desconhecer que sentimentos se abririam dentro do grupo relativamente à sua pessoa.

Instruendo “Antonioiou”! Silencio!| cada um preenche a folha pondo numero, nome e data e aguarda que a mesma seja recolhida, alertou o Alferes com tom de poucos amigos pois a sua regra era que dentro do grupo só se falava nos intervalos noutras situações sempre “bico calado”, aberto apenas para a resposta a qualquer pergunta formulada.

No fim desta “frequência” as conversas que tivemos ao chegar à caserna andaram à volta das categorizações e como poderíamos dar a volta ao texto de modo a evitar que nós próprios ou os nossos amigos pudessem involuntariamente ser atirados para os lugares de exclusão e consequente eliminação do curso.

Quando aconteceu esta primeira eliminação logo o Sá espirito aberto fez-nos notar que os elementos que haviam sido excluídos davam notoriamente nas vistas pela forma como continuamente não concluíam marchas e trabalhos de estrada e eram motivo de apontamentos por parte das equipas de instrução nas rotineiras folhas de informação. Deu para perceber que a decisão de eliminar alguém resultava do somatório de informações negativas daquele grupo que nessa noite foi mandado sair da formatura da CI, reuniu nas mais variadas opiniões, de que se destacavam o corpo de instrutores e os instruendos dos respectivos grupos.

Essa noite custou a passar, alem da cerimónia que ditou a exclusão de duas dúzias de instruendos estávamos pendentes do alerta que nos poria em cima das viaturas em marcha para a primeira saída de instrução.

Não deu para entender, subitamente da instalação sonora a voz cantada de alguém nosso conhecido anunciou
- Atenção Companhia de Instrução tem 3 minutos para formar na parada!….

Olhei para o relógio. Não podia crer, eram 3 e meia da madrugada… outra vez de saco de bagagem às costas, acompanhado pelo cinturão com tudo a que tinha direito cantil cheio de agua, 2 porta carregadores, quatro carregadores com 19 cartuchos 7,62mm cada, porta granadas (vazios) e faca de mato. Tudo muito bem atadinho e ajustado à cintura, nas mãos a nossa “companheira” a G-3, nas botas metida a velocidade de correr para a parada que se faz tarde e já estás a pagar….

A formatura desta vez foi verdadeira isto é foi mesmo embarcar sair a portas de armas descer até a 7º esquadra rodar para a costa seguir para o Norte passar no Cacuaco, saborear o cheiro a camarão, e mais á frente antes da “Tentativa” seguirmos pela estrada que ao longo da costa passa ao largo do Ambriz. Numa curva virámos para Este em direcção à Mussenga para uns quilómetros antes aterrarmos num local situado perto de um paraíso de caça, chamado Freitas Morna.

A chegada foi motivo para rápidas ordens a que se seguiram rápidas movimentações do corpo de instrutores que atrás das passadas gigantes do Capitão Trovão numa inspecção, reconhecimento de toda a área e marcação das instalações para os diferentes grupos. Formamos à ordem do soldado Aleluia passamos pela área onde os cozinheiros e afins preparavam o local onde iam desenvolver o seu mister durante os próximos 20 dias e junto a um atrelado tanque de água enchemos os cantis e recebemos pão e meia ração de combate com a indicação de que deveria ser consumida à hora de almoço.

Numa linha periférica que delimitava todo o acampamento e onde já alguns grupos se afadigavam em limpar, preparar o terreno para a instalação das tendas de 3 panos, que equipavam o nosso Exercito, recebemos as indicações que nos permitiram edificar o bivaque perfeitamente alinhado com os restantes grupos da companhia. Do facto observamos que eramos juntamente com o grupo de oficiais e de cadetes aqueles que mais longe se encontravam em relação ao normal local de formatura.

A rotina começou logo que passada a hora de almoço onde cada um se tinha banqueteado com uma lata de merendinha de carne, algo que fazia virar as tripas a qualquer cristão e de mouros nem falamos, engolida a “dolca” de chocolate e que acharíamos interessante quando na instrução de minas e armadilhas nos entretivemos a fabricar armadilhas improvisadas com tão artística lata, tudo junto com uma lata sul africana de pêssego em calda mais uns bons bocados de casqueiro que eram óptimo ingrediente para a açorda que se misturava no estomago com os golos de agua “poupados” que à pressa engolimos. Parecia “bruxo”, ao virar da esquina o auxiliar Aleluia apareceu e com voz pausada e serena, anunciou:
- Grupo de Sargentos, tem 3 minutos para formar na parada em uniforme de técnica de combate.

Desapareceu e logo o Cerqueira ajuntou: e eu que já tinha visto ali uma sombra onde se podia bater uma rica sesta.

- Tás maluco ou quê? Ripostou o Sá, julgavas que vinhas com armas de bagagem, fazeres centenas de kms para vir para aqui sornar? Estás mal habituado lá no cimo da Estrela, pões o gado a pastar e toca de fazer poesia. Vais sornar vais.

Num ápice já tínhamos vestido o dólman, mangas para baixo que o “Patrão” dizia que também tinham sido pagas, portanto era para utilizar, “kiko” na cabeça enterrado até às orelhas, não fosse voar com algum disparo da equipa de instrução e à cintura para que a barriga não se “proeminentasse” o cinturão, o cantil cheio (agua), a faca de mato os porta carregadores com “eles” cheios os porta granadas (vazios) e velocidade nas pernas pois o tempo dado já nos apontava umas tantas extensões de braços (que nós designávamos como flexões) e que seriam cada vez mais há medida que o cronógrafo do alferes Esteves fosse adicionando segundos ao tempo estabelecido.

A tarde foi passada num espaço sem mata e com capim quando chegamos mas que foi desaparecendo partido pela base à medida que o tempo foi decorrendo. Virados para o exterior do circulo onde estava instalado o acampamento houve a revista inicial. Mais alguns instruendos depois de saltarem, mexerem e verificarem que o equipamento, fardamento e G-3 , não estavam consoante as normas estabelecidas pagaram mais uns cangurus … que serviram de aquecimento para o que vinha a seguir…

No meio do capim aqui e ali pequenos arbustos indicavam ao sabor de cada um marcas importantes que cada instruendo na sua movimentação iria que ter de passar até atingir um hipotético ponto onde lançaria um assalto…

No início o Alferes como era norma falou sobre o assunto que nos trouxe ali e agora dissertando principalmente sobre a capacidade de um inimigo instalado na mata que estava à nossa frente. E adiantando que atento na nossa direcção dispararia em x segundos e menos atento e conforme o grau de desatenção assim demoraria X+n segundos até estar capacitado para nos acertar.

Feitas estas apresentações como num rodizio fomos mergulhando e levantando atrás das mascaras, correndo de uma a outra até atingir a orla da mata. Pelo meio a equipa de instrução ia disparando as respectivas G-3, a escassos centímetros do instruendo que estivesse em “prova” algo que já nos vínhamos habituando desde o início do curso. Aqui o fogo era à descrição e de vez em quando uma “ofensiva” fazia ouvir o clássico “clic” que alavanca e percutor fazem quando se tira a cavilha e se lança a granada e que ao grito de granada! nos fazia instintivamente fazer um voo à “Barrigana” e aterrar o mais longe possível do local de queda.

A meio da tarde um intervalo veio por cobro a este festival. Em “U” e aproveitando os sítios de sombra fomos relaxando enquanto que o alferes Esteves se foi aproximando e de forma descontraída foi metendo conversa com a rapaziada que inicialmente estranhou mas logo viu ali oportunidade para prolongar o tempo de intervalo.

-Senhor António sabe que esta zona é abundante em “surucucus”?

-Que é isso meu Alferes, é algo que se coma?

-Sim até se come ou melhor aqui tudo o que seja cozinhado em cerveja e apimentado com “gindungo” marcha. Parece-me que hoje ao fim do dia os sargentos dos serviços da vossa companhia têm direito a petisco na zona dos sargentos. Como de costume é preparado pelo feiticeiro-mor, o sargento enfermeiro. Os vossos sargentos só pagam as bebidas o resto é por conta da casa. Mas não é sobre esta característica que eu vos quero falar mas sim da letalidade da bicha, características …etc. que foram sendo enunciadas pelo Alferes Esteves de forma a que todos estivessem atentos pois nos cerca de vinte dias que passaríamos neste “resort” eram mais que suficientes para que tão maus encontros se concretizassem. A prelecção continuou com referência aos lacraus e por fim à célebre “quiçonde” tudo apimentado com cenas que já tinham ocorrido nos diferentes cursos que já tinham passado por “Freitas Morna”. O intervalo foi-se alargando com o interesse da rapaziada que viam como folgavam as costas deixando o alferes preleccionar à vontade, até uma altura que se acabou o descanso. Formados e em passo de corrida fomos conduzidos à parada e logo de inicio vimos o capitão Trovão com o fardamento que utilizava quando nos “brindava” com mais uma GAM.

O aquecimento começou. Voltas em círculo, com a arma em auto arma. Depois a sequência de cinco exercícios em que exercitávamos diferentes segmentos do corpo. Seguia-se a explicação e exemplificação de uma técnica, hoje foi a cambalhota em frente com arma. Cada um foi executando até ter um mínimo razoável de perfeição. O essencial era não partir nenhum osso. Dominada a técnica, começava a roda livre em que o grupo á ordem ia fazendo diferentes gestos técnicos que já tinham sido alvo de explicação e treino nas sessões anteriores. As ordens do capitão soavam nos nossos ouvidos como chicotadas a que reagíamos de forma quási automática. Prá aqui! Fugir! Cambalhota! Queda! Rastejar até mim! Granada: fugir, 1,2,3 4 Buuuuumh! A explosão que nos fazia voar e aterrar deitados, o mais longe dos possíveis fragmentos atirados segundo o cone de deflagração. Pelo meio alguns tiros… no final …esfrangalhados, suor misturado com pó, lama dos charcos sempre existente, roupas esbanigadas, a fivela do cinturão mais atrás do que á frente uma vez ou outra uma peça do equipamento que se perdia,…. Mas umas golfadas de ar e o terminar segurando a arma com as duas mãos paralelas e quasi encostadas ao chão um salto bem para o ar e um rugido fundo muito fundo de Comaaaaandos!!!!... e está a desaparecer da minha vista ….levava-nos a terminar com um sorriso nos lábios e uma determinação no olhar. Aos poucos e sem dar conta interiorizávamos comportamentos, vontades determinações que nos afirmavam que no futuro seriamos capazes de enfrentar vitoriosamente aqueles que na mata ou no capim se escondiam e mesmo que tivessem a vantagem de iniciar o combate estaríamos à altura de ripostar sem medo, de saltar adiante e sair vencedores…

Pelo caminho até ao nosso estacionamento fomos sacudindo a poeira e pensando se mereceria a pena trocar a roupa interior que cada vez mais se ia conspurcando. Dentro em pouco estaria mais própria para o lixo do que para a roupa suja

Um toque de corneta chamou a nossa atenção .. sem que nos dessemos conta a Bandeira Nacional tinha sido hasteada de manhã agora uma pequena força prestava honras e era arriada. Fomos avisados pelo Aleluia de que a formatura da terceira refeição ia ter lugar de imediato. Aproveitava-se o espaço que mediava até o Sol desaparecer no horizonte e a noite escura e nublosa se impor nas mais de dez horas seguintes. Outra vez o toque, agora de formatura. A correr fomos apanhar a marmita e aproveitamos a água que nos sobrava no cantil para num simulacro fazer as nossas abluções e partir para a refeição com um mínimo de higiene. Sentíamos o nosso cheiro de animal quiçá de leopardo e como ele à medida que escurecia passávamos a mover em silêncio tentando ver o que as trevas nos impediam. No grande espaço que servia de parada mais de 600 jovens agrupados pelas diferentes formações aguardavam pacientemente a sua vez de receber comida e agua. O serviço era tipo self serve com duas linhas a funcionar e que obrigatoriamente começava pelo ultimo grupo de Praças e continuava assim até ao grupo de Oficiais. O nosso grupo era como se vê dos últimos a ser servido ou melhor a seguir aos instruendos entravam, os praças, sargentos e oficiais do corpo de instrutores e serviços de apoio e por ultimo no final de tudo o COMANDANTE. A sua figura frágil de certo modo britânica impunha presença e respeito que se notava sempre que outros afazeres lhe permitiam passar uns dias connosco no mato. Pessoalmente recordava-me a figura de Sir David Stirling, celebre fundador dos SAS Ingleses e cujos feitos devorei nas histórias em quadradinhos que me chegaram em devido tempo às mãos. Naquele tempo de espera em que a norma era estar quieto, os mosquitos apareciam para nos recordar que havia que ter força de vontade para não sacudir, para não bater ou esgadanhar a zona alvo atingida pois o Auxiliar ali presente imediatamente se encarregaria de completar o treino físico que ainda restava. A vista passeava pelos grupos de onde a onde alguém fazia cangurus com os braços esticados acima da cabeça, segurando a G-3, mais alem alguém em posição de deitado facial ia estendendo e flectindo os braços tudo por culpa de um corpo que ainda não obedecia ao espirito como se pretendia. Aquela era a mudança radical que todos teríamos que atingir se efectivamente queríamos ser Comandos.

Finalmente chegou a nossa vez. Admiramos ver alguns dos instruendos recentemente eliminados ocupando funções nas linhas de distribuição contribuindo doutra forma para a formação de uma nova fornada de Comandos.

Depois de cheio o cantil de água, foi a ver de equilibrar nas duas metades da marmita a sopa ainda quente e que nos aconchegaria o estomago, e umas batatas guisadas com carne que pelo aspecto deviam estar mesmo apetitosas, na outra mão o copo de cantil meio de vinho, forte que nos dava a sensação de nos espanar as goelas de toda a poeirada que tínhamos respirado desde que chegáramos. Pelos bolsos uma peça de fruta, meio casqueiro de pão e um guardanapo de papel. Certamente não morreríamos de fome mas ainda teríamos que continuar o equilibrismo até ao local onde estavam as nossas tendas e que ainda distava uns bons trezentos metros. O pior é que era proibido qualquer luz durante a noite que pudesse sinalizar a nossa posição.

Chegados praticamente em grupo. No local escolhido fomos flectindo as pernas tentando impedir que a sopa mais movediça saltasse lata fora, caso não poderíamos ter ali logo um bom motivo para que a quiçonde, se aproximasse para comer esses desperdícios findo os quais se abalançaria para enterrar as suas famosas pinças nos mais recônditos locais do nosso corpinho.

Este primeiro jantar fora, foi um dos cerca de vinte que tomamos nesta magnifica esplanada da Coutada do Ambriz. O modo como as duas “saídas” principais do curso estavam moldadas davam-nos a dureza necessária e suficiente para que qualquer estrelinha ou mesmo planeta de qualquer classificação hoteleira acima do que aqui se nos apresentava permitiriam que no futuro nunca nos passasse pela cabeça pôr qualquer apreciação às condições que dentro ou fora de quarteis tivéssemos que suportar. Na realidade quando regressamos ao CIC, o prazer de tomar um chuveiro, dormir numa cama de colchão de espuma ou comer nas mesas de madeira tosca do refeitório fez-nos ver isso mesmo, já para não falar na iluminação. Na verdade “A Educação é muito Bonita”.

Ainda estávamos a tentar lavar as marmitas com a areia do chão quando o vulto do Aleluia rondou as imediações e foi detectado pelo António que estava a cumprir o primeiro turno de sentinela.

- Quem vem lá faça alto! Vociferou no português afrancesado característico com voz de poucos amigos, pronto a esclarecer a situação com a G-3 á frente…

- Calma sou o Soldado Comando Aleluia, transmita ao grupo para formar imediatamente no local da parada com uniforme de TC.

- Eh malta toca a andar para a parada retorquiu o “Francês”. De imediato deixamos a “menage” da cozinha e voamos pelo trilho que já se ia formando entre o nosso posicionamento e o lugar da formatura. Há medida que nos aproximávamos o trilho ia -se tornando mais largo e marcado fruto dos vários trilhos que dos outros bivaques como braços de rio se iam juntando na corrente principal.

- Com faróis de viatura e holofotes a parada estava iluminada minimamente para as diversas actividades que foram decorrendo até a CI iniciar um trabalho de estrada ao longo da picada que nos tinha conduzido ao local onde nessa manhã desembarcáramos.

A marcha corrida decorreu fantasmagórica com as nuvens de poeira a explodir no ar largadas pelas rodas dos Unimogs da escolta que à testa da coluna e na retaguarda faziam a segurança ao deslocamento. As nossas botas contribuíam para o espectáculo e no final todos representávamos um misto de padeiro e de corredor de corso carnavalesco de Luanda após passagem na marginal no meio da batalha da fuba.

Uma hora depois do inicio estávamos novamente na parada formados prontos a fazer as honras ao Comandante que nos seus passos sorrateiros tomou posição frente ao Capitão Trovão recebeu a continência e deu autorização para a Companhia destroçar.

Com a velocidade que o cansaço autorizava fomos tomando a direcção do nosso estacionamento mas algo chamou a nossa atenção quando passamos junto das instalações dos serviços de apoio. Vários vultos davam ar de má disposição pela maneira como chamavam pelo “gregório” atrás de uma das tendas. Num julgamos descortinar o “Rodinhas” e noutro, o vagomestre. Pelos vistos o convite do Sargento enfermeiro para um petisco de boas vindas aos periquitos da componente de serviços tinha caído mal pelo menos a dois elementos que ao averiguarem qual o animalão que tinham degustado não conseguiram acalmar a repulsa que imediatamente sentiram.

Com a componente de segurança montada e que grande parte do tempo quando a instrução decorria era assegurada ou pelos instruendos momentaneamente indisponíveis para acompanharem a instrução ou na sua falta completada por elementos Comandos que desde Luanda acompanhavam a CI com essa função. A zona era zona de guerrilha e perto do local estava localizado o estacionamento de uma Companhia em comissão normal.

Os dias foram decorrendo numa sobrecarga que nos foi carregando no “cacimbo” e que dava lugar a que qualquer piada começasse a ser fogo para carga explosiva. As manhãs começavam com a distribuição do pequeno-almoço e de água seguida da formatura da Bandeira e normalmente a ginástica educativa vulgo GE. Depois um numero indeterminado de horas em que desde a técnica de combate, ao tiro nas carreiras improvisadas, a GAM e o combate corpo a corpo e para descanso? Os primeiros socorros, as transmissões, as minas e armadilhas etc etc e as inevitáveis marchas ou trabalhos de estrada, tratavam de nos fazer consumir as calorias que as três refeições diárias nos aportavam. Ao décimo dia logo pela manhã fomos mandados formar com uma muda de roupa, sabão e toalha. De viatura fomos transportados até às margens do rio Loge, local onde o capitão Trovão costumava nas noites em que não ia às pacaças, caçar crocodilos. Em surdina dizia-se que no último curso pelo menos um instruendo tinha desaparecido na instrução de travessia de cursos de água. Connosco um alferes perito em caça submarina era o encarregado de ministrar a instrução. A primeira acção foi mandar duas ofensivas para dentro de água para afastar “alfaiates” e depois a explicação de como fazer uma jangada improvisada com duas G-3, dois panos de tenda e dois cantis vazios. A explicação foi sugestiva mas a prática foi um desastre pois mais de metade das jangadas improvisadas meteram água e os proprietários do material tiveram que se haver pelos próprios meios para atingirem a outra margem. Não fosse a experiencia e capacidade do Alferes e de certeza haveria G-3 a ficarem sepultadas debaixo da agua de tão ameaçador rio. Pela negativa aprendemos como a alternativa do colchão pneumático era muito mais eficiente e sem os riscos que o método apresentado mostrou.

No fim, o banho limpeza deu para descontrair e nem sei se algum crocodilo por ali passou estranhando tão ruidoso arraial.

Penteados, com farda lavada, tivemos o premio de a seguir ao almoço consumido no local, de nos deslocarmos em passeio à pequena povoação do Ambriz com a sua longa avenida inicial marginada por longos e elegantes coqueiros e que junto à praia duas pequenas explanadas davam o mote para refrescarmos as goelas com Cuca ou Nocal ao sabor das preferências, acompanhadas pelo camarão que ali como era habitual era servido nestas ocasiões.

Tonificados com estas actividades praieiras iniciamos a segunda parte da saída com mais ânimo e moral em alta. A rotina continuou como habitual, as formaturas na parada, as praças depois os sargentos e por ultimo os oficiais passavam pelo self serve seguidos pelos membros do corpo de instrução e no fim o Comandante que com o seu prato na mão dava um exemplo que hoje em dia muita gente deveria aprender. Contávamos os dias como contávamos os lances que tínhamos de fazer nas sucessivas quedas na mascara que parte da técnica de combate nos ia pondo á prova cotovelos, joelhos e às vezes os queixos. Percorríamos os trilhos de dia e de noite em que a equipa de instrução mimetizando o inimigo nos ia brindando com tiros ajustados que punham à prova a nossa capacidade de reacção especialmente para não cairmos nas armadilhas improvisadas com granadas ofensivas que quando accionadas estremeciam tudo em redor e que vez por outra tinham a infelicidade de acertar algum estilhaço no corpaço dum instruendo.

Um dia mais lá para a frente os panfletos que regularmente a AP deixava ficar nas nossas “tocas” trouxeram uma novidade na mensagem expressa:
Instruendo vais ser submetido a uma prova muito dura e perigosa. Serão empregues meios reais. Deves tomar atenção a todas as indicações dadas pelas equipas de instrução. Em caso de….

Os painéis da parada também reflectiam o mesmo tema. Cada dia que passou aumentou o debito que os meios de AP empregaram para difundir esta mensagem que foi também transmitida com a “Voz do Comando” à hora da distribuição das refeições.

 

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