TESTEMUNHOS
E CONTRIBUTOS
38ª Companhia de Comandos — "Os Leopardos"
Memórias do 1º Cabo CMD José Quintas
LAMEGO, GELO SUOR E LÁGRIMAS , OU COMO ME FIZ COMANDO!
Chegada ao Quartel de Santa
Cruz, pelas cerca de 19.00 do dia 2 de Janeiro de 1972.
Apresentação do novos Instruendos, quadros e soldados na ordem
dos seiscentos elementos, que iriam sair dali cerca de cento e
vinte cinco para formar a Companhia que viria a ter como
símbolo “Os Leopardos”, 38ª Companhia de Comandos.
Fomos
recebidos por Oficiais Comandos, Instrutores, alguns com
comissões já feitas nos diversos campos de batalha. Homens rijos
de tempera que impunham respeito a qualquer mortal, um pouco
rudes e agressivos no falar, mas que impunham respeito a
qualquer um mais desajeitado e indisciplinado que pudesse estar no
ventre daquele grande grupo de homens.
Segue-se o alojamento
onde dormimos sem grande alarido até às sete da manha do outro
dia. Parada, formatura para pequeno-almoço e toca a fazer pela
vidinha porque o tempo urgia! Houve a distribuição de camuflados
e as coisas foram sempre muito bem controladas e ordenadas para
sairem dali bons resultados.
Começámos a instrução todos os dias
pelas sete horas da manhã com a parada coberta de neve e em
tronco nu! Isto nunca sem antes ser lido em voz alta o “Código
Comando”. Do menu da Ginástica fazia parte também uma disciplina
que era deitar de costas com as perninhas a 45ºgraus, que bom,
costado na neve branquinha, que gozo!
Todos os dias pela manhã a primeira coisa que se ouvia era o
Código Comando, cujo teor era muito bem explícito, não deixava
margem para duvidas a qualquer filhinho da mamã. Seguia-se
pequeno-almoço e para digestão uma boa corrida até á serra das
Meadas coberta de neve com alguns tombos de permeio. Entre
corridas era ginástica aplicada, de dia ou de noite.
E lá íamos
pensando afinal para o que foi que nascemos! Ah... e convém
lembrar que sempre com arma carregada mais quatro carregadores à
cintura, porque tínhamos que nos habituar que este contrapeso
iria fazer parte do nosso corpo. Os tempos de descanso eram
quando tínhamos aulas teóricas de cada matéria, porque descanso
nem de noite, ouvíamos constantemente dia e noite a mesma música,
por sinal muito bonita que era a Quinta Sinfonia de Beethoven, e
também a canção da mamã do conjunto Oliveira Muge, e também uma
canção cantada por uma Brasileira cujo título era ''Esta é uma
prova de fogo''.
Além dumas morteiradas de madrugada a rebentar com os vidros das
casernas e tudo rapidamente a formar! Bem, quem demorasse mais
de dois minutos a formar poderia ter de pagar cem, ou até dar
cambalhotas à parada a toda a volta. E entre preparação física,
corridas, aulas teóricas e práticas (por exemplo Enfermagem,
Transmissões, Navegação por Bussola ou através de cartas
topográficas, Psicologia, de Armamento etc.).
Ainda me lembro
numa progressão a correr em “esses” dum instrutor Capitão de
nome Duarte de Almeida, infelizmente já falecido, me enfiar com
um tiro junto do tacão da bota, ao que passados uns segundos
retorqui: “meu Capitão quase que me acertava no pé!” A resposta
foi: “não te preocupes, era da maneira que só precisavas de
comprar um sapato durante a tua vida!''
“...meu Capitão quase que me
acertava no pé!” A resposta foi: “não te preocupes, era da
maneira que só precisavas de comprar um sapato durante a tua
vida!...''
O tempo lá foi passando, os dias e noites eram passadas
rapidamente, muitíssimo raro ter um fim-de-semana para visitar
família, mas em compensação tínhamos depois dumas provas
começadas as dez da noite que acabariam por volta das seis da
manhã, éramos contemplados com um passaporte de fim-de-semana
até ao meio dia para visitar a cidade de Lamego.
Da parte de tarde... mais do mesmo. Bem os dias lá foram passando todas as
semanas eram excluídos uns tantos do curso que iriam para outros
quartéis e livravam-se daquelas coisas de tanta disciplina.
Foram sensivelmente seis meses, tempo suficiente para sair dali
bons Patriotas treinados e com sentido de cumprir a missão que
nos era confiada, mas também bons amigos e bons camaradas porque
sabíamos que quando entrássemos em acção, as nossas vidas
dependiam de cada um e o menor erro de um poderia, ser fatal
para todo o grupo.
Fim de curso e lá fizemos a nossa apresentação pelas ruas de
Lamego, marchando em formatura, pois a sociedade tinha orgulho
nestes homens que eram instruídos nesta cidade e nós como bons
Militares que éramos não os defraudámos! Foi uma cerca de uma
hora de marcha com a arma cruzada ao peito. Ou em posição
conforme a foto abaixo.
Depois de uns dias em casa da família, para o protocolo da
despedida, lá voltámos ao altar dos sacrifícios passados, mas
com a ideia generalizada que os piores ainda estariam para vir!
Corpo e mente bem abertos, alma de guerreiros dispostos a
defender o nosso corpo e o dos nossos camaradas, lá embarcamos
em Autocarros da Empresa E.A.V.T com destino a Figo Maduro, não
que sem antes tivéssemos na cidade a honra de terem dedicado uma
canção à Trigésima Oitava Companhia de Comandos, que iriamos
partir todos mas nunca saberíamos quantos vínhamos!
Prosseguimos
viagem sob as ordens de um grande Capitão e grande Comandante,
Victor Manuel Pinto Ferreira, apesar dos seus jovens vinte e
seis anos era um boa mais-valia para nós pois já tinha adquirido
experiência e saber em duas comissões feitas em Angola, o que
nos dava bastante garantias em termos de comando.
Chegados a Figo Maduro por volta das dezanove horas, ainda deu
tempo a matar o resto das saudades da nossa terrinha bebendo e
confraternizando com os camaradas umas belas cervejas até à hora
de partida. Vinte e quatro horas num DC 6 da Força Aérea
Portuguesa com primeira escala em Cabo Verde Ilha do Sal, para
retemperar e tomar o pequeno-almoço debaixo dum nevoeiro intenso
e fresquinho.
Novamente para o avião que esperava e pelas,
sensivelmente, hora local, seis e quarenta e cinco rumo ao
destino onde chegamos por volta das dez horas locais. Do avião
já tínhamos avistado umas terras vermelhas, matas densas e rios
por tudo quanto era sítio. Muitas palmeiras, muitas tabancas, e
começávamos a sentir o “vespeiro” que aquilo devia ser!
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Testemunhos da 38ª Companhia de Comandos