OPERAÇÕES DA 38ª COMPANHIA DE COMANDOS
OPERAÇÃO JOVENCA
38ª COMPANHIA DE COMANDOS
31 de Dezembro de 1972 -
Operação
Jovenca
Relato feito a partir das
memórias do Capitão Comando Pinto Ferreira
Missão:
Aniquilar, capturar e desarticular as organizações IN na região
da Caboiana;
Força executante:
2 grupos de combate da 38ª CCmds;
Planos elaborados para a
acção:
Saída de Teixeira
Pinto em coluna auto até ao Cacheu;
Deslocamento de LDM até
a região de S. Domingos até a altura da recuperação em LDM;
Apoio aéreo:
COMdcon (DO27 armada) em alerta, no solo de Teixeira Pinto;
Duração:
24 horas;
Resultados obtidos:
Pelo IN, 1 morto (confirmado).
Feita a captura do
seguinte material:
1 Espingarda
Automática Simonov.
Desenrolar da acção:
Antes do findar o ano de 72 fomos pela primeira vez à região da
famosa Coboiana de que eu já tinha ouvido falar quando estava em
Angola.
Já lá tínhamos passado
perto mas ainda não tínhamos tido a possibilidade de a percorrer.
Convêm esclarecer que esta pequena península parte integrante
duma zona mais vasta designada por Coboiana Churo, albergava
cerca de 100 fuzileiros navais (inimigos) e ainda um grupo FAL (Forças
Armadas Locais – espécie de milícia destinada à defesa local).
A zona era de formato rectangular de 4x2kms e rodeada na sua
maior parte por tarrafo onde só os nossos “zebros” conseguiam
chegar. No entanto havia pelo menos dois locais em que tal não
acontecia um era a Sul onde a península se ligava ao terreno que
fazia a ligação com outras regiões e a outra noroeste onde um
corredor de areia com cerca de 100m de largura e cerca de 1km de
comprimento fazia ligação com o Rio Cobói um afluente da margem
esquerda do Rio Cacheu.
Era pois nesta autêntica ratoeira que eu
e mais 40 homens nos iríamos meter.
Era preciso ser muito bom artista e principalmente equilibrista
para entrar neste buraco, “ dar porrada” e sair sem baixas e foi
isto que conseguimos desta vez.
Tivéssemos nós armas com
silenciador e outro galo cantaria assim ficamos pelo resultado
de um primeiro embate que se saldou por uma “Simonov” capturada.
Mas vamos ao relato daquela que me parece ser um caso tipo de
operação “comando” no teatro da Guiné.
Ao anoitecer do dia 30 de Dezembro deslocamo-nos em coluna auto
de Teixeira Pinto para a vila de Cacheu onde à nossa espera se
encontrava uma LDP (lancha de desembarque pequena).
Depois de um breve briefing no comando local que visou a
informação sobre a forma como íamos ser colocados no terreno e
como íamos no final ser recuperados aguardamos pela meia-noite
hora considerada como hora a que os habitantes das tabancas da
vila já estariam deitados e por isso não susceptíveis de se
aperceberem dos nossos movimentos.
Embarcamos nas nossas viaturas em total silêncio, com as luzes
apagadas e seguimos em direcção ao cais de embarque onde o vulto
da LDP sobressaía na completa escuridão.
Passamos das viaturas para a LDP sempre em silêncio e completa
ocultação de luzes. Os motores da LDP a baixa cadência,
procurando fazer o menor ruído possível iniciaram o movimento
que nos encaminhou para a entrada do rio Cobói.
Seguindo pelo
meio do curso do rio olhávamos as margens imaginando que alguém
ali poderia estar postado para impedir o nosso desembarque no
local onde o corredor de areal fazia ligação directa à mata da
Coboiana.
No briefing tínhamos sido alertados para a possibilidade da zona
onde íamos atracar poder estar minada, visto ser um porto
gentílico e haver essa possibilidade por parte do inimigo.
Desembarcamos sem qualquer contratempo, quantos às minas, à
Português “o Rei manda andar não manda chover” depressa as
esquecemos pois tínhamos o mais rapidamente de ultrapassar o
corredor de areia, que a descoberto, sem abrigos, autentica
linha de alvos de carreira de tiro, não permitia muitas demoras.
Aguardámos agachados até que eu recebesse a indicação que
estávamos prontos avançar.
Depois dela, abrimos em linha e progredimos até encontrarmos a
bem vinda protecção da mata da Coboiana.
Os dois primeiros
problemas estavam resolvidos, chegáramos até ali sem sermos
detectados. Ainda era noite e aguardamos nesse local até que
começasse a clarear.
Ali estávamos naquela situação em que parece que nada se faz
aguardando o romper da aurora.
Mentalmente visualizava o
trajecto que teria que fazer até ao local de recolha.
Inicialmente teria que rumar a Este para me internar dentro da
zona e depois rumo a Norte onde atingiríamos um braço de rio
onde os Fuzos estariam á nossa espera.
Simples se sem
complicações.
Mal começou a clarear já estávamos em ordem de
marcha.
Um, dois elementos à minha frente e o resto do pessoal
atrás de mim.
Entramos dentro da mata que naquele local era
densa e de difícil progressão.
Depois de algum tempo fomos dar a
um poilão com sinais de ser um local de reunião (assembleia)
pois vários panfletos foram encontrados e via-se que costumava
ser ocupado por muita gente.
Dali para frente a mata dava lugar a um emaranhado de arbustos e
espinheiros mais ou menos da altura de homem e que eram um
obstáculo á nossa progressão todo o terreno. Não queria cair na
armadilha de Gampará e procurei maneira de evitar a progressão
naquele terreno.
Vi um trilho e apesar de não me agradar a ideia seguimos por ele
tendo eu avisado os meus Alferes das minhas intenções que eram
apenas capinar no trilho até ter hipótese do todo terreno.
"... veio ter comigo a
correr com uma Simonov na mão e a dizer:
meu capitão ele vinha só
pelo trilho fora, apareceu-me à frente e pumba…"
O trilho apesar de correr numa zona plana fazia curvas apertadas
de maneira que eu não apercebi do que aconteceu quando ouvi dois
disparos nossos e numero 1 (homem em 1º lugar) veio ter comigo a
correr com uma Simonov na mão e a dizer: meu capitão vinha só
pelo trilho fora, apareceu-me à frente e pumba… tudo isto num
espaço de alguns segundos tal a distância que me separava dos
dois homens da frente.
E já à nossa volta se soltavam várias rajadas de
pistola-metralhadora como que a perguntar o significado dos
primeiros dois tiros.
Rapidamente foi passada revista ao
elemento abatido e em passo ligeiro continuamos no trilho pois
parecia-me ver adiante uma zona de mata onde certamente não
teríamos as dificuldades em andar que ali estávamos a sentir.
Efectivamente era uma mata que foi a nossa sorte pois estendia-se
para norte e nesse dia ir-nos-ia dar protecção das vistas do
inimigo até ao local de recolha. Começou, diria uma autêntica
missão de sacrifício que nos fez percorrer uma mata cerrada a
corta mato durante umas longas horas mas que nos valeu não
sermos descobertos pelos 100 fuzileiros mais o grupo FAL que eu
sabia estarem agora afanosamente atrás de nós.
No trajecto ouvimos nitidamente os elementos inimigos a falar
vendo-se que batiam a zona à nossa procura, era uma caçada ao
rato em que o rato, éramos nós.
Passámos perto de tabancas pois
ouvimos os seus ruídos característicos ecoar na mata que nos
servia de protecção.
Por longos períodos marchámos de gatas (para isso tínhamos essa
instrução) e fazíamo-lo em silêncio o que muito deve ter
irritado os nossos perseguidores.
Mas não podia ser de outra
maneira a já mencionada inexistência de armas com silenciador
deixava-nos numa posição que não nos permitia obter novamente
surpresa e eu só estava disposto a novo contacto caso a situação
me fosse favorável, pois sabia de forças que tinham sido “massacradas”
pelo simples facto de não aplicarem os princípios da táctica.
As horas foram passando e as nossas forças iam diminuindo pois é
duro progredir sem fazer barulho dentro de uma mata fechada com
um grupo de cerca de 40 homens.
De vez em quando e á medida que
nos aproximávamos do final mandava um homem trepar a uma árvore
e tentar descortinar o rio que estaria à nossa frente.
Por várias vezes repeti a operação e a resposta foi sempre a
mesma: “meu capitão só vejo árvores”.
Por fim para nossa
satisfação a resposta foi diferente.
A vastidão do Cacheu estava a pouca distância.
Com alegria víamos chegar ao fim uma dura caminhada.
"... Saímos da
mata e á nossa frente tínhamos uma zona menos arborizada que nos
iria conduzir a um braço de rio...."
Saímos da
mata e á nossa frente tínhamos uma zona menos arborizada que nos
iria conduzir a um braço de rio.
Contactamos a força de recolha via rádio e passado pouco tempo
tínhamos indicações para rumamos até ao local onde os zebros nos
iriam recolher.
Entretanto apareceu no ar a DO 27 com o PCV que era o Oficial de
operações do CAOP e que lá do alto pretendia ver na zona onde
estávamos sinais de rodados de viaturas o que a nós nos parecia
impossível tal o tipo de terreno que tínhamos atravessado.
Tenho a certeza que se fosse o Comandante esse Grande Militar
que tal juízo nunca ocorreria mas “pessoal do arame”
vislumbrando uma oportunidade de brilhar à custa de quem para
chegar até aquele local com uma arma capturada e um elemento
inimigo morto, tinha empregue toda a energia que tinha, não
hesitava em imaginar que caso fosse verdade teria oportunidade
de dizer “eu descobri que os gajos já tem viaturas na Coboiana…”
felizmente era só imaginação...
Chegaram os Fuzos com os seus botes.
Operação
Jovenca - 31 de Dezembro 1972 - Recuperação no tarrafe do Rio
Caboiana para os zebros do 19º Dest. de Fuzileiros
Embarcámos e já no Rio Cacheu fizemos o transbordo para a LDP
onde o simpático pessoal da Marinha tinha à nossa espera
garrafas de água com chá, um dos melhores meios para dessedentar
as nossas gargantas ávidas de líquidos.
Era 31 de Dezembro.
À tardinha estávamos em Teixeira Pinto.
Era noite de fim de ano.
Nessa noite a 38CC tinha sido convidada
para abrilhantar um espectáculo que se realizava no Cine Teatro
local.
Estava estourado.
Tomei um banho, comi alguma coisa e só acordei
no dia seguinte.
O espectáculo foi um sucesso.
Desde essa noite de fim de ano que
procuro sair e dançar pois no ano de 1973 todas as desgraças me
caíram em cima….
Capitão CMD
Pinto Ferreira
Guiné - Região do Cacheu - Caboiana
38ª CCmds - Operação Jovenca - 31 de Dezembro de 1972
A espingarda semi automática russa Simonov, capturada ao
guerrilheiro abatido.
Guiné - Região do Cacheu - Caboiana
38ª CCmds - Operação Jovenca - 31 de Dezembro de 1972
Em primeiro plano, o comando Mendes,
com o seu RPG2.
Guiné - Região do Cacheu - Caboiana >
38ª CCmds - Operação Jovenca - 31 de Dezembro de 1972
A penosa recuperação no tarrafo do Rio Caboiana.
Guiné - Região do Cacheu - Caboiana
38ª CCmds - Operação Jovenca - 31 de Dezembro de 1972
Já a caminho da LDM que há-de levar os 2 grupos de combate até ao Cacheu.