OPERAÇÕES DA 38ª COMPANHIA DE COMANDOS
OPERAÇÃO ÁGUIA ERRANTE
38ª COMPANHIA DE COMANDOS
Operação Águia Errante
13 Setembro de 1972
Relato feito a partir das
memórias do Capitão Comando Pinto Ferreira
Hoje é tempo de falar sobre a operação “Águia Errante”.
O nome
de código até parece ter sido escolhido de propósito para aquilo
que se passou nesta acção.
A seu tempo iremos ver porquê.
Aconteceu em 13 Setembro 72, data que nos ligou a um dia de
sorte quando tudo poderia ter corrido muito mal e certamente com
dificuldade estaria aqui para fazer este relato.
A operação era
simples na sua concepção.
Genericamente era uma acção de 3
grupos a 20 homens actuando isoladamente que seriam colocados
por helicóptero a norte da Lagoa de Bionra.
A partir daí fariam
uma progressão para sul durante alguns kms em itinerários
paralelos e em local apropriado cada grupo seria recuperado.
Havia um cálculo de cerca de 3/4 horas de marcha para cada grupo
findos os quais se fazia a recuperação.
Nada mais simples.
O objectivo era assaltar um depósito de armamento que se sabia
existir na zona.
Do local exacto daria conta um guerrilheiro do
PAIGC, capturado algum tempo antes e que iria servir de guia.
Acompanhei o 3º grupo de combate, grupo cujo percurso era o do
meio e que em parte seguia ao longo de uma antiga picada.
Assim
progredíamos entre dois grupos que marcharam distanciados de nós
cerca de 2 kms.
No meu grupo seguia o guia que por ir desarmado
e no sentido de aliviar um dos homens carregava o rádio TR-28. O
início da progressão correu sem problemas fazendo-se num ritmo
que correspondia ao que tinha sido previsto.
Os outros dois
grupos foram-me reportando o que se passava com eles e tudo
também corria sem problemas. Connosco as coisas começaram a
complicar-se quando uma chuva diluviana desabou sobre nós que
nos impedia de ver a picada sobre a qual seguíamos.
A chuva
acabou por parar e nós por ser mais avisado, saímos da picada e
seguimos a corta mato. O terreno não era de fácil progressão e
pior ficou quando caímos numa área que era uma antiga lavra que
deixara de ser cultivada. Tornou-se uma autêntica armadilha,
limitando-nos a velocidade de progressão como se tivéssemos
caído numa gigantesca teia de aranha.
Os arbustos tinham-se
desenvolvido e espalhado por todo o lado atrasavam a nossa
marcha e ainda por cima não eram suficientemente grandes para
nos protegerem das vistas de quem de dentro das matas que nos
rodeavam se apercebesse da nossa presença.
Estava mais ou menos
manietado.
A direcção geral de progressão era aquela e do guia
não recebia qualquer indicação.
Sabia que urgia sair daquela
situação para podermos atingir a zona de aterragem dos helis mas
para isso teríamos de pedalar.
O tempo foi-se escoando.
Chegou a
hora prevista para a recuperação dos 3 grupos.
Cada um dos
grupos adjacentes sinalizou a sua chegada ao respectivo local de
recolha enquanto eu transmitia que dada a dificuldade de
progressão ainda não previa quando atingiria o meu local.
Face á dificuldade da minha progressão apareceu no local o posto de
comando volante (PCV) com o capitão Folques que me deu indicação
de que os dois outros grupos estavam a ser recolhidos sem
problemas.
Foi-me transmitido de que devia acelerar a marcha
pois previa-se mau tempo o que poderia impedir as operações
aéreas.
Nessa altura já eu tinha puxado das minhas reservas de
energia e á frente daqueles 19 homens esforçava-me com o gume
afiado da minha faca de mato por abrir caminho por entre aquele
entrançado de lianas e trepadeiras que pareciam querer reter-nos
naquele local e entregar-nos de mão beijada ao inimigo que
sabíamos estar já, face às diferentes movimentações que se
viviam desde manhã, ao corrente da nossa presença.
Iniciou-se
uma corrida contra o tempo.
Na ânsia de ajudar, o Capitão
Folques de cima do PCV tentava de forma expedita mostra-nos o
caminho mais perto para uma clareira onde haveria possibilidades
dos helis aterrarem e nós sermos exfiltrados (como agora se diz
pois parece que havia gente que não gostava de evacuações).
O avião deu voltas e mais voltas por cima de nós.
Por
impossibilidade do então Capitão Folques, o piloto passou a ter
em mãos a transmissão de indicações mas de tal forma desastrosa
o fazia que se limitava a andar aos círculos por cima de nós o
que nos obrigava a progredir aos zig zagues.
De cada vez que
passava por cima de nós dava-nos uma direcção de progressão
diferente.
Eu ia apercebendo-me e preocupando que a situação
estava a tornar-se intolerável pois nem saía do sítio e ainda
por cima sabia que todos os elementos inimigos em redor
começavam a saber qual era a nossa posição e não tardaria muito
que não os tivesse à perna.
Farto da situação acabei por
explodir e num português vernáculo mandei o piloto pôr-se andar
e para local … mais arejado.
Este facto motivou que alguns dias
depois desta acção recebesse pelo correio uma “confidencial
pessoal” censurando este meu procedimento.
Afastado o DO 27,
fiquei entregue a mim mesmo com a responsabilidade de levar a
bom porto aqueles 19 homens dos quais 1 era “turra”.
Agora só
contávamos connosco e eu bem na frente seguindo a direcção que
me parecia a mais correcta, fazia com quem vinha atrás de mim
alargasse a passada pois tínhamos de apanhar o “autocarro” que
seria o ultimo daquela linha, ou seja os helis da recuperação.
Também sabia que estava na zona de Fulacunda, onde o inimigo
tinha uma forte implantação o que equivalia a perspectivar que
caso não fossemos evacuados a noite seria certamente rica em
acontecimentos de que não poderia agourar que fossem bons para
as nossas cores.
Nisto deparamos com um trilho que se cruzava
com outro e nem quis pensar noutra hipótese apesar de saber o
que me poderia esperar ao tomar tal decisão.
Ao meu lado alguém
me foi dizendo que já tinha visto turras a correr ali perto mas
quase a correr íamos já nós pelo trilho adiante tentando
encontrar esse naco de terreno capaz de permitir a aterragem de
um heli ALLIII para nos tirar para fora daquela armadilha, onde
naquele fim de tarde com nuvens ameaçadoras, nos encontrávamos.
Nisto um som de helicóptero apareceu sobre nós, por cima das
palmeiras e outras árvores que só nos deixavam ver uma nesga de
céu.
Foi como que uma lufada de ar fresco quando vi que o
comando da operação, numa tentativa de nos tirar daquele buraco,
ordenou ao heli canhão que avançasse de Gampará onde estava em
alerta para a zona pois não restavam dúvidas de que iria entrar
em acção.
Depois desta aparição continuei em 1ª lugar na bicha
de pirilau, agora agarrado ao micro telefone do rádio IRET que
um operador de Braga transportava às costas (o Vilaça? ).
Atrás,
a alguns metros o resto do grupo que me dava protecção de
retaguarda enquanto eu progredia e mantinha contacto permanente
com o piloto do heli canhão.
Pois foi este contacto permanente com o piloto do heli canhão
que permitiu que as coisas acontecessem com vantagem para as
nossas cores.
E hei por bem expressá-lo aqui pois ainda este ano
no almoço comemorativo da companhia tive ocasião para esclarecer
o Alferes Amaral quando ele em conversa sobre o assunto me dizia:
“o que nos safou foi o heli canhão ter dado com eles” ao que eu
corrigi “ não foi o heli canhão fui eu que ia um bocado á frente
de vocês no trilho pendurado no rádio transportado pelo
radiotelefonista me apercebi de que as lianas e trepadeiras do
lado esquerdo do trilho apresentavam movimentos anormais e de
imediato disse ao piloto: atenção os gajos estão aqui ao meu
lado esquerdo e uns 10 metros à frente – o piloto respondeu-me:
já os estou a ver”.
"...
De imediato o heli canhão abriu fogo e na
sequência desenrolou-se um combate a muito curta distancia entre
os elementos que seguiam atrás de mim e alguns turras que
fugindo do fogo do heli canhão tentaram aproximar-se de nós que
progredíamos em cima do trilho...."
De imediato o heli canhão abriu fogo e na
sequência desenrolou-se um combate a muito curta distancia entre
os elementos que seguiam atrás de mim e alguns turras que
fugindo do fogo do heli canhão tentaram aproximar-se de nós que
progredíamos em cima do trilho.
Um dos elementos inimigos armado
com uma metralhadora ligeira Degtyarev avançou direito ao trilho
mas o “Xibanga” (um 1º cabo da zona da Serra da Cabreira) abateu-o
e coleccionou a arma às restantes que a companhia já tinha
capturado até então.
Outro, armado de Simonov apareceu todo
furado respirando morte pelos vários furos que se viam no corpo
e a que mais um, por fim veio pôr ponto final.
Foi mais um
combatente que mandamos morrer pela sua pátria, como nos
competia e antes que ele pudesse mandar alguém morrer pelo Nosso
Portugal.
No entretanto continuava em ligação permanente com o
piloto informando-o do que ia acontecendo cá no chão.
Dei por
finda a presença do inimigo e os resultados obtidos e parecia
estarmos em condições de ser evacuados pois o piloto antes
destes acontecimentos já me tinha dito que a pouca distancia
havia um lugar onde os helis poderiam aterrar.
No meio desta
alegria e alívio de ver o fim à vista de uma situação que estava
em vias de se tornar deveras complicada, uma noticia veio toldar
os meus pensamentos, o guia e respectivo TR28 não eram vistos
desde do início dos tiros.
Mandei bater a zona mas ninguém foi
capaz de dar com ele.
A responsabilidade era minha e uma acção
que parecia ser coroada de total êxito estava em risco de tornar
num semi fracasso pois o desaparecimento do guia e
principalmente do precioso rádio era um sério problema.
Entretanto o piloto deu-me indicações para sair da zona
indicando-me o caminho e local para onde me deveria dirigir.
Tal indicação deveu-se a que devido á forte presença do inimigo na
zona haveria que assegurar que os helis de recolha actuassem sem
problemas.
Foram os chamados os Fiats G-91, a intervir, o que
foi um espectáculo como agora se diz.
Nós estávamos na orla da
mata e á nossa frente uma planície enorme de capim verde
certamente com água escondida do que seria a Lagoa de Bionra.
Vindos da direcção da lagoa apareceu uma parelha de Fiats que
picando mais ou menos na nossa direcção mas apontando algumas
centenas de metros além de nós e para dentro da mata, fizeram “
manga de ronco” atroando os ares com o seu voo e principalmente
com as armas que empregaram.
A mim pareceu que cada um tinha
consigo uma mota de alta cilindrada tal a cadência e a
intensidade dos disparos que depois se traduziam em
rebentamentos quando as munições atingiam o solo ou o arvoredo.
Seguro que estávamos fora da zona dos alvos, pois estávamos bem
sinalizados.
Tal bastou para que o elevado número de combatentes
que aos tinham vindo a apertar o cerco à nossa volta desistissem
de perturbar o nosso embarque.
Entretanto o dia corria para o
seu fim mas as condições atmosféricas que ameaçavam a nossa
recuperação acabaram por melhorar e permitiram que pudéssemos
cantar: “não posso ficar nem mais um minuto com você,…. Moro em
Gampará e tenho o último trem para pegar “.
Continuando a
ligação com os meios aéreos dirigimo-nos para a área de embarque
onde 19 comandos com a consciência que aquele poderia ter sido o
último dia das suas vidas rumaram ao quartel.
No dia seguinte
uma notícia por volta da hora de almoço veio por fim às minhas
preocupações relativamente ao guia e ao rádio.
Sabendo desta
situação o 1º homem que descortinou junto à porta de entrada um
africano de camuflado e de rádio às costas, cansado, esgotado e
esfomeado veio dar-me a notícia: - meu capitão está lá fora o
guia.
Um peso saiu das minhas costas.
Feitas as verificações e
obtidas as explicações que aceitei encerrei aqui este caso
apercebendo-me que o guia tinha percorrido naquele espaço de
tempo que mediou entre a nossa recuperação e a sua chegada umas
boas dezenas de kms, por território cheio de perigos, desarmado
e com o nosso precioso rádio às costas.
Nesse dia estava eu com a mão direita empanada, pois no meu afã
de abrir caminho com a minha faca de mato tinha cravado nas
costas da mão direita uma série de picos de folha de palmeira o
que naquele clima quente e húmido davam direito a infecção pela
certa.
No dia a seguir outra operação estava planeada agora
também com os comandos Africanos e por heli transporte.
Não
recordo qual o motivo, julgo que foi preciso empregar os helis
noutro local e assim a operação foi cancelada.
A 38 CC continuou em Gampará até finais de Outubro 72,
regressando 3 grupos no dia 20 a Mansoa e os outros 2 em 31 pois
ficaram a dar instrução à CCaç4112.
A vida nesse mês e meio foi
mais do mesmo, patrulhas de protecção às 3 aldeias que estavam
debaixo do nosso controle.
As condições sanitárias do pessoal
continuavam-se a agravar, e o fluxo de baixas ao hospital
militar mantinha-se.
Foi pois com alegria que verificamos que no
fim deste longo período daria lugar a alguns dias de licença em
Bafatá? Por esta altura eu completava 4 meses de permanência na
Guiné, período mínimo para poder gozar as minhas férias anuais
fora do território.
Aproveitei pois para regressar à metrópole e
retemperar forças.
Aí tratei de me equipar nas áreas em que
senti que o que tinha à disposição era insuficiente,
nomeadamente na protecção anti mosquito para poder suavizar as
longas e duras noites dos matos da Guiné.
As férias passaram a
voar e ainda recordo o momento em que fechei a porta do
apartamento da rua de Diu.
O táxi esperava à porta, três saltos,
nos aeroportos de Lisboa, Sal e Bissau e acordei dum sonho bom
no meio de uma guerra dura e que ainda hoje nos marca e faz
lembrar cada pormenor vivido.
Á chegada grandes novidades me
esperavam.
A companhia movia-se novamente desta feita para
Teixeira Pinto.
Agora com malas e bagagens isto é tudo e todos.
Todo o trabalho e tempo gasto a beneficiar e a adaptar as
instalações deixado para trás, quase que não o aproveitáramos a
não ser o núcleo de Formação que mantivéramos em Mansoa.
Mas não
desistimos, iremos chegar a Teixeira Pinto e de pronto
iniciaremos melhoramentos no buraco que nos couber.