Elisabete Gonçalves
Amiga e testemunha da
38ª Companhia de Comandos
TEXTOS DA
ELISABETE PARA A 38ª COMPANHIA DE COMANDOS
“As palavras que nunca te direi”
Não tenho por costume dar título aos textos avulso que escrevo, simplesmente porque não precisam dele. São...e pronto. Mas este, ah este...tem mesmo que o ter. E assim mesmo, tal qual o pus..
Em todos os relatos de guerra que tenho ouvido, já o disse
sobejas vezes, o que mais me toca não são as acções mais ou
menos heróicas....mas sim a amálgama de sentimentos que os
envolvidos sentiram, que lhes travam a língua e marejam os olhos
de lágrimas, mesmo volvidos 42 anos. E são, salvo raras
excepções, quase sempre por companheiros, irmãos, que ficaram,
por um golpe de azar que os fez estar na mira daquela fatal
rajada que apenas lhe raspou a carótida, naquele lugar e naquela
malfadada hora...estendidos na falsa maciez do capim.
São sempre para eles as melhores palavras, as maiores saudades,
o melhor e mais sentido brinde ou grito de Mama Sumae.
Tenho a “tremenda” sorte de privar com esta fabulosa Companhia,
o que me faculta relatos e fotos, que de outro modo, nunca
chegariam ao meu conhecimento e ( nem imaginam quanto!)
apreciação.
Não vou contar aqui o que aconteceu durante a Operação Jamanta
ao Furriel Jorge Fabião e ao Soldado Mário Chaves, naquele
fatídico dia 21 de Novembro de 1972, naquela Guiné onde a 38ª
CCMD tantas vezes esteve debaixo de fogo e actuou de tal modo
que as suas condecorações falam por si. Deixo isso a quem o
viveu de facto.
O que interessa para o caso é o que estava no armário do Soldado
Mário Chaves, em Teixeira Pinto, quando recolheram as suas
coisas, fizeram o seu espólio, para enviar à família.
Naqueles blocos que se compravam com o logótipo dos Comandos, o
Mário Chaves( talvez por se aproximar a época de Natal) tinha
vindo a escrever uns versos para a sua namorada Sandra na
Metrópole, quem sabe para que os recebesse no dia de Natal ou em
data próxima, daquelas datas em que se deseja o melhor, a par da
felicidade e prosperidades.
Quando os li, vi naquelas palavras simples e apaixonadas, sem
ligar à métrica ou erros ortográficos...toda a esperança dos
dias para viver que tinha um jovem de 21 anos, em tempos
conturbados de guerra. O seu oásis, a miragem que talvez o
acalmasse quando tinha algum tempo de solidão e sossego, a
vontade, o vigor, a força e o desejo...de quem não viveu para o
poder contar.
Sei que a namorada nunca os recebeu. Sei que uma sobrinha (
Sandra Chaves) os facultou para o espólio conjunto da Companhia
e que eu tive a sorte de os poder conhecer.
Sei que, a par de tantos outros, o Mário não chegou à idade de
recordar, de braço dado com os outros, a beber um copo na
Tabanca do Bucelas. Sei que quando o invocam, os camaradas sabem
que viveram e vivem também por ele...e pelos outros que não
voltaram. Que tiveram a sorte que assiste aos audazes que ele
não teve, e porque a única maneira de o manter vivo é nunca,
nunca!, se permitirem a esquecê-lo.
Talvez, apenas talvez, agora que tenho permissão de aqui
publicar algumas dessas palavras...elas cheguem por golpe de
sorte ao seu legítimo destinatário. E talvez, também apenas
talvez...atenuem algum desassossego que sempre acompanha as
longínquas memórias.
Bom Natal, rapazes.
A ti também, Mário Chaves...onde quer que estejas.